Mulheres de luta - Ivone Maria Perassa
Tive o privilégio de conhecer Ivone no CIAMP-Rua, colegiado que integramos como conselheiras pela sociedade civil e que é responsável pelo monitoramento da política nacional para a população de rua.
Ivone Maria Perassa nasceu em Florianópolis (SC) em 23 de setembro de 1954 e integra o CIAMP-RUA como representante da Associação Pastoral Nacional do Povo de Rua. Ivone, sua trajetória, sua história e suas inquietações são uma inspiração para todas as pessoas que caminham ao lado da rua e que lutam diariamente contra toda forma de opressão e violência.
Filha de migrantes que se mudaram para o sul em busca de trabalho, teve uma infância simples e carrega as lembranças dos exemplos repassados por seu pai e mãe. Dentre as várias memórias afetivas de sua infância, lembra das reivindicações que seu pai fazia diante das injustiças que presenciava no seu ambiente de trabalho e pelo seu posicionamento por melhores salários dos empregados.
Imbuída por esse espírito de resistência e luta, Ivone afirma como essa realidade contribuiu para o desenvolvimento de uma consciência da luta constante pela sobrevivência, da resistência e da capacidade constante de não ceder. “É uma memória muito forte, essa coisa da periferia, da criatividade da periferia, de aprender a se virar com o que tem, de aprender a transformar o pouco que se tem no muito, aprender a identificar a vida nas pequenas coisas e isso é muito forte em mim”.
Durante sua juventude, sempre esteve próxima da população mais empobrecida e na época ela entendeu que sendo freira, ela teria condições de continuar seu ativismo e para “se jogar na vida e me dedicar ao trabalho social”. Ela passa a integrar uma congregação religiosa. Na época, a Igreja Católica passava pelo Concílio Vaticano Segundo, época em que as congregações se dividiram entre aquelas que se dedicavam mais ao social e outras mais ao conservadorismo, e nesse meio ela foi excluída. “Recebi uma correspondência em que fui comunicada da minha exclusão por insubordinação”. O ano era 1984 e ela morava em Brasília, mas volta para Florianópolis, onde identifica a presença de muitas pessoas em situação de rua.
Ela se muda para a periferia da cidade e passa a conviver com pessoas que estão em extrema pobreza. Nesse momento, traz sua indignação com o fato das pessoas terem que fazer fila para se alimentarem, e lembra do episódio em que presenciou duas pessoas se esfaquearem por uma marmita. Esse fato a levou a procurar outros modos de pensar em projetos para além da comida. Em 2013, ela conhece o trabalho da Pastoral Nacional e várias lideranças dos movimentos como Samuel, Leonildo e Vanilson. Passa a conhecer Cristina Bove e também tem contato com Luiz Kohara. Esse encontro fez com que ela entendesse que essa era a missão que tanto procurava: um movimento de reivindicação, de luta, de resistência, e a partir de então passa a participar das conferências, congressos, seminários e outros eventos de organização e mobilização social. “Participo desses encontros por conta própria, sem apoio e vínculo com a igreja. E decido levar isso para dentro do estado em que eu morava. O que faço hoje em Santa Catarina é o resultado de uma insatisfação pessoal. Por isso que eu acho que quando a gente encontra uma pessoa muito indignada ou revoltada, esse sentimento é o resultado de um descontentamento. Por isso que temos que escutar e respeitar porque esta pessoa está insatisfeita com o que está acontecendo, ela quer fazer alguma coisa, mas não sabe como. E esse foi o meu processo.”
A entrevista é finalizada com a reflexão sobre o que é mais difícil para quem vive nas ruas, em especial para as mulheres que estão nessa situação. “Mesmo os não vistos se unem e a estratégia é encontrar força na parceria, na relação com o outro”. Ela não tem muita esperança nos governos, pois eles não incluem as pessoas. Por isso que sua esperança reside na força coletiva social e na união das pessoas. “A história não é feita de passos largos, mas de pequenos avanços e não podemos nos deixar abater”.
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