Na continuidade das discussões (ver O Trecheiro nº.184 p.4), Nathan Edelson, ex-diretor de Planejamento de Vancouver, disse que uma estratégia foi trazer o problema do Centro para dentro do problema. Muitas unidades habitacionais conhecidas como casas transitórias e casas de apoio para a população em situação de rua e usuários de drogas foram construídas próximas a hospitais, teatros e edifícios de escritórios. Isso propiciou maior convivência entre os diferentes residentes do Centro e a oportunidade de restabelecimento de vínculos, com um dia a dia que se diferenciava do isolamento dos albergues, por exemplo.
O projeto para o Centro também focou ações específicas para a população de rua, que de acordo com o censo oficial de 2001, havia duplicado nas áreas urbanas, isto é, quase duas mil pessoas.
Em 2004, iniciaram-se as mobilizações para a criação de um Plano de Ação para População de Rua, chamado “Três formas de saída”. O plano baseava-se em criar formas de suporte básico que possibilitasse a saída das ruas: facilitar o acesso a rendimentos sociais, acesso à moradia e o fornecimento de serviços permanentes de apoio.
Para a elaboração deste Plano foram realizados estudos e fóruns sobre a situação de rua com troca de experiências, consultas públicas entre organizações sociais e da própria população de rua. Longe de ter um apelo caritativo, o plano enfatizou que a população de rua era mais custosa para os cofres públicos e para a iniciativa privada, dependendo da rede de Assistência Social. O plano também deixou claro que para ter sucesso, todos os setores da comunidade deveriam estar envolvidos e que para erradicar a situação de rua é preciso ter em mente que moradia necessita de suporte contínuo. “Você não retira uma pessoa da rua e a coloca simplesmente numa casa. É necessário ações integradas com toda a comunidade”, salienta Nathan.
Assim a questão dos albergues, foi circunscrita a uma resposta emergencial e a prioridade das ações e parcerias foi a moradia.
Baseado na metodologia estadunidense “Moradia em primeiro lugar”, o Plano de Ação encorajou o setor privado a criar mais locações em zonas com alta densidade populacional e a preservar as locações existentes.
Como resultados, o Plano de Ação ofereceu oportunidades de estabilidade pessoal para quem vivia nas ruas e tanto ajudou na recuperação dos vínculos com a comunidade com possibilidade de ter uma moradia, quanto diminuiu a ida a hospitais e os custos operacionais decorrentes.
E no centro de São Paulo?
A iniciativa de Vancouver sem dúvida demonstra o caráter pragmático de ações que seguem uma linha neoliberal: é custoso, em termos financeiros, para o poder público e a iniciativa privada manter pessoas vivendo em condições de desamparo e exclusão. Ruim para os negócios, ruim para o turismo, ruim para a imagem de sustentabilidade social que se quer divulgar. E, por isso é necessário resolver o “problema”.
E como equacionar estas questões? Facilitando o acesso a uma moradia digna, à saúde e ao trabalho. Pela moradia, o indivíduo em situação de rua se estrutura, recupera vínculos, dá continuidade a tratamentos de saúde, combate o uso de drogas, dentre outras coisas. É preciso a intervenção do Estado com ações intersetoriais, mas também parcerias público-privadas.
Em São Paulo ainda temos dificuldades de estabelecer tais contatos e buscar tais parcerias. Segundo, Ermínia Maricato, professora da FAU/USP: “Acho que politicamente a gente erra ao ficar num gueto muito fechado. Gostaríamos de ter mais espaço na mídia, por exemplo, para fazer denúncias sobre o número de despejos e a falta de sustentabilidade dos projetos das marginais”, declarou Maricato.
Para Nathan, é importante negociar e dar visibilidade a esta situação. “Precisamos de habilidade para negociar e conseguir a atenção da mídia nessa sociedade. Porque assim, vamos desconstruindo os preconceitos que nos tornam reféns no dia a dia”, afirmou Nathan.
Esse plano de ação seria adequado para a nossa realidade? Não, mas com certeza seria uma forma de enfrentamento de uma situação que tem se tornado insustentável, e não apenas pelos custos financeiros.
Edição N° 185 - Janeiro de 2010
Comments