

A Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo tem atuado nas questões de violação dos direitos das pessoas em situação de rua, mais especificamente, da violência da limpeza urbana e da ação da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e alimentação. Para saber como andam estas questões o jornal O Trecheiro ouviu o Promotor de Justiça, Dr. Eduardo Valério.
O Trecheiro: Uma das principais reclamações das pessoas em situação de rua é a violência da GCM. Como foi iniciado o inquérito sobre a violação de direitos?
Esse inquérito surgiu a partir de uma ocorrência concreta presenciada por um cidadão na Praça 14 Bis no centro de São Paulo e que coincidiu com a publicação da Portaria nº 105 da Secretaria Municipal de Segurança Urbana autorizando a Guarda Civil Metropolitana a abordar pessoas em situação de rua e criar para elas situações de embaraço, de desconforto com a intenção evidente de tirá-las da rua.
Estamos exatamente na fase de instrução do inquérito para reunir evidências do que está acontecendo nas ruas. Como está sendo na vida real, a abordagem com as pessoas em situação de rua por parte da Guarda. O estágio de investigação é exatamente este, saber até que ponto a GCM está sendo, de fato, desrespeitosa e violando os direitos dos moradores de rua.
O Trecheiro: O que falta para concluir esse inquérito?
Nossa investigação não era destinada somente à GCM, mas também aos agentes de limpeza pública. Com relação à Limpeza Urbana, tivemos uma boa notícia que foi resultado dessa investigação.
A Secretaria de Coordenação das Subprefeituras da Prefeitura de São Paulo editou um memorando (ver Box) com recomendação a todas as subprefeituras da cidade no sentido que os trabalhos de limpeza urbana das empresas contratadas e seus agentes e funcionários da fiscalização tenham absoluto respeito às pessoas em situação de rua e que não serão tolerados quaisquer comportamentos que possam violar a dignidade dessas pessoas. Agora nos cabe esperar que isso seja implantado e cumprido. Vamos fiscalizar e acompanhar.
Com relação à GCM, estamos na fase de buscar informações. Se nós tivermos uma evidência de que efetivamente a GCM está violando os direitos da população de rua, vamos chamar a direção da Guarda e da Secretaria Municipal de Segurança Urbana e tentar saber se há possibilidade de um Termo de Ajuste de Conduta da Guarda aos parâmetros da lei e se não houver essa possibilidade vamos propor uma ação judicial.
O Trecheiro: O Ministério Público tem acompanhado, também, a questão da alimentação, em particular, a ação contra organizações sociais que oferecem alimentação na rua. Como está o inquérito dessa questão?
O inquérito da alimentação foi iniciado a partir de uma decisão de um Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) de tentar convencer os comerciantes do seu bairro de não mais doarem comida às pessoas em situação de rua. A intenção não era investigar esse Conseg, isto não nos cabe, mas investigar, de forma geral, como o morador de rua se alimenta na cidade de São Paulo. Estamos, ainda, na fase de coleta dessas informações. O que temos, em princípio, é a ideia de que organizações assistenciais, e mesmo, pessoas físicas que fazem distribuição de alimentos nas ruas precisam ter um local, garantido pelo poder público, onde elas possam fazer essa distribuição de maneira que garanta a dignidade do morador de rua. O que não é possível é permitir que as pessoas comam sentadas nas sarjetas usando um pedaço de papelão como se fosse um talher, sem nenhuma condição de higiene e sem poder comer como os seres humanos devem comer. É necessário um local em que, mesmo eventualmente, se deva garantir a qualidade desses alimentos que hoje não têm nenhum controle da Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa).
Vamos avançar mais nessa investigação, tentar compreender a questão dos restaurantes popu- lares, das organizações contratadas para servir alimentação para a população de rua. É preciso verificar até que ponto esses espaços de convivência, que a Prefeitura vem oferecendo às organizações, têm condições de acolhê-las. Precisamos trabalhar para que não presenciemos mais pessoas comendo nas ruas como se fossem refugiados de guerra num país arrasado.

Edição N° 191 - Setembro / Outubro de 2010
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