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Regina Reinart

Vozes de esperança que clamam por justiça


Medo de sair às ruas para resolver problemas ou para atividades de lazer, medo de pegar transporte coletivo ou de prestar informações a um desconhecido, esta é a realidade do cotidiano de Salvador. A sociedade baiana está cada vez mais traumatizada. Nos jornais vemos frequentes reportagens sobre tráfico de drogas, diversas formas de homicídios, ataques aos módulos da Polícia Militar, incêndios de ônibus e violência de toda ordem.  

Durante cinco anos, acompanhei famílias em Salvador (BA), em particular, mães cujos filhos foram assassinados. Costumo chamá-las de mãesórfãs, o inverso da criança-órfã que perde a mãe ou o pai, aqui são mães que perdem seus filhos. Como trabalhei praticamente só com famílias onde o pai estava ausente, cheguei a ouvir muitas mães que relatavam fatos cruéis vividos por elas. A cada ano vemos crescer o número de homicídios e é assustador ver o sofrimento destas mães-órfãs. Desde 2000, em Salvador, foram assassinados 10.491 pessoas, sendo a maioria de homens, jovens, negros e pobres, segundo dados do Centro de Documentação e Estatística Policial (Cedep)/Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). Diversos grupos de extermínio como também a polícia e criminosos individuais são responsáveis por estas mortes. No Brasil inteiro, a média anual de homicídios girou em torno de 47 mil.

Nos anos 80, os acidentes de trânsito eram a principal causa de mortes masculinas, a partir da década de 90, os homicídios lideram como causa principal. O círculo vicioso do narcotráfico, da violência em todas as suas formas e da morte violenta é conhecido de todos nós.

Acompanhei muitas mães que perderam seus filhos com mortes cujos caixões eram colocados nos extremos dos cemitérios e muitas vezes obrigadas a saírem de suas casas por medo de ameaças recebidas. Mulheres, mães e esposas que foram maltratadas e abusadas durante anos e que ainda sofriam violência.

Em outros países, encontramos mães corajosas que recusam a deixar seus filhos esquecidos. Em Buenos Aires, semanalmente, observamos as mães da Praza de Mayo rodeando com determinação esta praça, fotos nas mãos e lenços brancos nas cabeças. A memória dos filhos perdidos e injustiçados vive como símbolo de esperança no horizonte da sociedade da Argentina. No continente asiático, escutamos o mesmo grito: lembremonos solenemente do massacre no Tienanmen Square, China (Pequim), mais de 20 anos atrás. A partir do choro doloroso de uma mãe das vítimas, Ding Zilin as Tienanmen Mothers começaram uma longa trajetória de luta pela justiça, pela qual a pioneira recebeu o Prêmio Nobel da Paz no ano 2003. As vozes dessas mulheres, mães, avós, tias, irmãs, esposas e companheiras são vozes de esperança, que clamam por justiça.



Edição Nº 185 - Janeiro de 2010

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