
“Não precisaria ninguém fazer discurso, é só ver esta fotografia minha, da Dilma e vocês aqui, para a gente notar que alguma coisa mudou neste País. Quando é que se imaginou que um presidente do BNDES viria a uma reunião com catadores de papel e assinar financiamento para catadores de papel. Jamais isso foi pensado neste País. Quando é que a gente imaginou o presidente do Banco do Brasil vir a uma reunião com os catadores de papel e assinar acordos. Essa quantidade de ministros aqui, a Fundação Banco do Brasil, dois presidentes de uma vez só, dizer que o Brasil não mudou é não enxergar esta foto”. Este trecho é parte do último discurso do presidente Lula feito, no dia 23 de dezembro, em São Paulo com catadores, pessoas em situação de rua e a presidente Dilma, que prometeu dar continuidade a esses encontros.
De frente com o Presidente
Durante muitos anos da minha vida, senti o desprezo e o descaso de uma sociedade que se dizia democrática e partidária. Ao entrar de cabeça no Movimento Nacional da População de Rua, de uma certa forma, foi um grito de liberdade e do desejo de ver um mundo melhor. Vontade de me sentir humana de novo, pois as ruas tiram toda a nossa dignidade e identidade.
Em 2009, tive o prazer de sentar perto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e vê-lo assinar o Decreto das Políticas Publicas da População de rua que, a meu ver, é nossa carta de alforria, pois éramos escravos do descaso e da discriminação da sociedade. Num momento pude ver de perto o rosto de um homem que havia olhado para o nosso sofrimento, que nos possibilitou sair da invisibilidade rumo ao protagonismo.
Ao ser convidada para fazer um discurso de agradecimento ao presidente Lula e, ao mesmo tempo, sensibilizar a presidente Dilma, em 2010, me deu um pavor imenso. Como colocar em palavras tanta gratidão, como expressar a alegria de milhares de companheiros, que haviam voltado a sonhar novamente. Não deveriam ser as minhas palavras, mas a de um povo que eu representava. Durante o tempo, que antecedia esse momento, fiquei a pensar nos companheiros de tantos estados e relembrar as partilhas, as reuniões, o brilho dos olhares que trocamos, as euforias dos planejamentos, as estratégias que idealizávamos. Pois foi isso que Lula nos deu, a vontade de lutar, a força para gritar, o desejo de nos organizar.
E quando chegou o momento, permiti que tudo fluísse, percebi que bastava apenas deixar o coração falar. E o meu coração falou.
Ao me inclinar diante dele, não era a atitude de submissão e de sim de respeito e, porque não dizer reverência, não como se reverencia a um Deus, mais a um ser humano. Pois o mundo tem sede e fome de mais seres humanos. Ser humano é ser firme sem perder a doçura, é ter honra e respeito com o mais fraco, é cumprir a palavra dada, é não esquecer que acima das ações deve existir o coração, é não ter vergonha de chorar e de se alegrar.
Somente uma coisa eu não falei e que ficou engasgada: pedir que ele não se fosse, que ele continuasse o que havia começado. Porém o meu coração ficou em paz, quando ele me falou no ouvido, que agora voltaria a visitar as ruas e que não nos abandonaria e nem nos esqueceria.

O mundo tem sede e fome
de mais seres humanos.
Maria Lúcia Santos Pereira

Edição N° 194 - Janeiro / Fevereiro de 2011
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