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- “Somos cidadãose cidadãs de direitos”
Luciana Ortiz T. C. Zanoni, Juíza Federal e coord. do Comitê Pop Rua Jud Nacional do CNJ falou sobre “o papel da justiça na atuação com a Pop. em Situação de Rua. Foto: Alderon Nos dias 22 e 23 de outubro, aconteceu em Brasília o Seminário Internacional “Pessoas em situação de rua: cuidado integral e direitos já!” . Pessoas com trajetória nas ruas, representantes de movimentos sociais, militantes, pesquisadores e profissionais de diferentes áreas se reuniram para apresentar relatos e estudos que traduzem, em dados e vivências, a urgência de garantir cuidado, dignidade e direitos. Entre os temas abordados nos relatos estão: a maternidade na rua, a importância da intersetorialidade, pesquisas sobre saúde, desigualdade racial, vínculo com animais e o acesso a medicamentos. A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, destacou o desafio que o país ainda enfrenta ao reconhecer a humanidade das pessoas em situação de rua: “Muitas vezes, a expressão ‘situação de rua’ vem antes da palavra ‘pessoas’. O país ainda precisa romper com essa lógica desumanizadora e garantir o direito de existir, de viver com dignidade, de ter acesso à saúde, à moradia e à educação”, afirmou a ministra. Anderson Miranda, coordenador do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CIAMP-Rua Nacional), vinculado à Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNDH/MDHC), destacou a persistência da lógica da caridade em detrimento do direito às políticas públicas:“Queremos políticas públicas de verdade, estruturantes, que garantam dignidade, cidadania e direitos. Somos cidadãos e cidadãs de direitos, não coitadinhos”, concluiu Miranda. A professora Aldaíza Sposati abriu sua fala no seminário abordando os desafios conceituais relacionados à situação de rua, aos segmentos, aos equipamentos e aos usuários. “São expressões que não têm acolhida nem identidade. Direitos antecipam o cuidado. Temos uma imensa dificuldade de concretizar direitos”, destacou Sposati. Entre os palestrantes esteve o padre Júlio Lancellotti, que iniciou sua fala afirmando que o sistema capitalista e neoliberal mata os pobres. “Dentro de um sistema capitalista, neoliberal, política pública é a manutenção da miséria. Quem nasceu pobre vai morrer pobre”, destacou Lancellotti. Participaram do seminário palestrantes internacionais, como: Diana Alarcón (México), doutora em Economia e assessora especial da presidente mexicana Claudia Sheinbaum; Isabel Licha (Venezuela), doutora em Sociologia do Desenvolvimento e especialista em Política Social; Roberto Carlos Angulo (Colômbia), secretário distrital de Integração Social de Bogotá; Florencia Montes Páez (Argentina), cientista política e fundadora da organização No Tan Distintas – Mulheres e dissidências em situação de rua . Na avaliação da professora Denise Paiva, uma das organizadoras do evento, o seminário foi um momento importante não apenas de aprendizado, mas também de interação. “O nosso objetivo maior é construir uma rede mais sólida, colaborativa, e este seminário foi um primeiro passo”, declarou Paiva
- Pessoas em situação de rua morremmais que a população em geral
“...a população em situação de rua teve uma taxa de mortalidade 348% maior que a população em geral.” Em 2024, 6.003 pessoas que estavam em situação de rua morreram no Brasil. Esses dados foram apresentados pelo pesquisador Marco Natalino, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Seminário Internacional “População em Situação de Rua: Cuidado Integral e Direitos Já!”, realizado nos dias 22 e 23 de outubro na unidade de Brasília da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Como explicou Natalino, em entrevista ao jornal O Trecheiro , esses resultados foram obtidos por meio do cruzamento de dois bancos de dados públicos. De um lado, Natalino identificou todas as pessoas que declaram ao Cadastro Único (CadÚnico) que estariam em situação de rua em dezembro de 2023. Ao fazerem o seu cadastro, essas pessoas forneceram o número do seu CPF, o que possibilitou a contagem de aproximadamente 250 mil registros em todo o país naquele momento. Depois, esses números de CPF foram cruzados com os dados do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil, que congrega informações dos cartórios de registro civil de todo o país, responsáveis por emitir certidões de óbito. Ao emitir uma declaração de óbito, o cartório também registra o CPF da pessoa que faleceu. Assim, foi possível cruzar ambos os registros e verificar quantas pessoas que estavam em situação de rua no final de 2023, segundo o CadÚnico, tinham tido seu óbito declarado por algum cartório em 2024. “Nós criamos uma lista de todas as pessoas que estavam no Cadastro Único (e que estavam obviamente vivas) ao final do ano de 2023 e observamos quantas dessas pessoas vieram a óbito em 2024 [segundo os registros dos cartórios de registro civil]”, resume Natalino. Com esses dados, também foi possível verificar se esse número representa um padrão diferente daquele observado para toda a população brasileira. Será que a população em situação de rua morre proporcionalmente mais que o restante dos brasileiros? Nesse tipo de comparação, os pesquisadores buscam equilibrar as diferenças na composição de sexo e idade dos dois grupos. Afinal, se uma população é proporcionalmente mais velha ou mais masculina que a outra, é esperado que apresente proporcionalmente mais mortes, por exemplo. Isso porque pessoas idosas e homens são grupos que morrem proporcionalmente mais que pessoas mais jovens e mulheres. Para essa comparação, portanto, Natalino realizou cálculos que consideraram as diferenças na composição da população em situação de rua e da população brasileira em geral. Segundo o pesquisador, mesmo com essas considerações, a população em situação de rua teve uma taxa de mortalidade 348% maior que a população em geral. Isso significa que a população em situação de rua morre 4,5 vezes mais que a população em geral. “Se numa população de mil pessoas, morrerem dez, numa população de mil pessoas em situação de rua, morreram 45”, compara Natalino. Para o futuro, Natalino pretende cruzar esses registros com dados do Ministério da Saúde, a fim de verificar as causas de morte dessas 6.003 pessoas e identificar fatores associados a uma maior chance de morrer em situação de rua. “Será que as políticas sociais têm algum efeito [em diminuir a chance de morrer]? Quando conseguirmos comprovar isso, pelo menos calcular isso, nós teremos uma força maior [de reivindicação política]. Eu penso que seria o grande objetivo desse trabalho”, conclui. (Abaixo vídeo da entrevista completa)
- Quando vai ter revista nova?
Essa era a pergunta que o Roberto mais me fazia nos últimos tempos. Ele viveu os últimos anos vendendo a revista Ocas , publicação que lhe possibilitava uma renda. Nos últimos meses, estava vendendo revistas antigas, mas há três meses precisou parar, pois não tinha mais exemplares à disposição. Contava com a ajuda do Bolsa Família , que foi interrompido no início do ano, e não conseguiu reverter o bloqueio. Recebia também o apoio dos irmãos, que moram no Rio de Janeiro — lugar para onde queria ir apenas para rever a família. Dizia que voltaria logo. Seu humor nem sempre era dos melhores, principalmente quando enfrentava dificuldades. Lutou até o fim contra o vício do álcool. Chegou a ter tuberculose, da qual se curou com muito apoio da equipe da Chapelaria , projeto da Rede Rua . Um dos últimos encontros que tive com o Roberto foi para gravar uma fala dele sobre Maria Alice , pedagoga, terapeuta, psicodramatista que apoiava os vendedores da Ocas e faleceu no dia 26 de fevereiro deste ano. Na gravação sobre ela, Roberto fala sobre suas crenças — ou melhor, descrenças —, mas conta que, ao conhecer Maria Alice, até pensou em ser espírita para poder “encarnar o seu espírito” e continuar seu trabalho de cuidar das pessoas. Roberto era um participante assíduo da Chapelaria Ir. Alberta , no Brás. Nos momentos bons e nos mais difíceis da vida, aquele era o seu porto seguro. Sua partida deixará um vazio para muitos frequentadores e para toda a equipe. Roberto Francisco dos Santos, nasceu em 09/02/1967 , no Rio de Janeiro de onde trazia a paixão pelo Flamengo . Seus irmãos sempre o apoiaram e várias vezes o convidaram a voltar para o Rio, mas ele preferia a vida dura de São Paulo. Dura, porque o fazia sofrer — e esse sofrimento se encerrou com sua morte, no dia 03/11 . Morreu em casa, sozinho, como tantos amigos que vivem em situação de rua. Uma morte, provavelmente, muito doida. A solidão é um mal que persegue muita gente, mas, para quem vive em situação de rua, ela é ainda mais grave e, muitas vezes, fatal. Foi encontrado pela polícia em seu quarto sozinho — exatamente o que ele mais temia que acontecesse. Enfim, a vida é assim para muitas pessoas. Agora, só nos resta desejar que ele esteja em paz e que a família, os amigos e todos os que o conheceram guardem a imagem da pessoa boa que ele foi. Quando a revista Ocas voltar, poderá ter sido por obra dele, do outro lado. Força, Roberto continue sua jornada. A Ocas e todos nós agradecemos por ter te conhecido. Um abraço solidário a todos que o conheceram.
- Mais de 2,1 milhões de votos “Por um Brasil Mais Justo”
Esse é o resultado do Plebiscito Popular Por um Brasil mais Justo e Soberano que mobilizou milhões de pessoas em todo o país, de abril a 12 de outubro desse ano e que já tem impacto no cenário político. A campanha, que se estendeu por 103 dias, terminou com 2.118.419 votos, depositados em urnas montadas em todas as regiões e via Internet. O plebiscito consultou a população sobre a redução da jornada de trabalho sem redução salarial - com o fim da escala 6x1 – e sobre a justiça tributária, com a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$5 mil mensais e a taxação dos super ricos, com rendimentos acima de R$50 mil mensais. O resultado da votação reforça a importância da mobilização popular e já teve efeito no parlamento: depois da aprovação da Câmara dos Deputados, em 1º de outubro, o Senado aprovou, no dia 5/11, o projeto do Governo do Brasil que acaba com o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, dá desconto para quem recebe até R$ 7.350 e estabelece, para compensar, um imposto mínimo de 10% para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão por ano. Agora só falta o projeto ser sancionado pelo presidente da República para virar lei e começar a valer a partir de 2026. Para a socióloga Rosilene Wansetto, da coordenação da Rede Jubileu Sul e Grito dos Excluídos/as e da Coordenação Executiva do Plebiscito Popular, “o processo foi muito importante, sobretudo neste momento em que o Brasil sofre ataques do imperialismo norte-americano com ameaça à nossa soberania”. Organizado por uma ampla coalizão do movimento popular, sindical e estudantil, partidos progressistas, entidades da sociedade civil e igrejas, lembra Wansetto, “o plebiscito promoveu, nesse período, atividades de formação, organização, articulação e debates, que contribuíram para o fortalecimento da democracia tão abalada nos últimos anos.” No entanto, destaca Rosilene Wansetto, os desafios ainda estão colocados, “sabemos que a vitória não está completa, precisamos seguir fortalecendo essa luta, pela tributação dos super ricos, por justiça tributária, inclusive a taxação das grandes fortunas, redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6x1.” * Grupo de Comunicação do Grito dos Excluídos e Excluídas
- Um Rio de Sangue Negro Derramado
Nas entranhas das comunidades, gritos de dor e desolação. Fuzis fardados do estado disparam mortes e preconceitos, parando o coração. Na Penha e Alemão em nome da "guerra ao crime" , muitas pessoas inocentes de balas crivadas. Corpos negros, da PopRua e periféricos correndo da morte e caindo com suas vidas ceifadas. O Estado, através do governador Cláudio Castro, afirma que todas e todes são do tráfico, são bandidos. É a periferia negra fugindo dos capitães dos matos, lutando por suas vidas. Até quando a sociedade vai aceitar os genocídios em nome da lei e da ordem? Até quando seremos entregues e assassinados nas mãos do sistema, nesse caminho da morte? Todos os dias vemos as notícias de crianças e adolescentes, pessoas adultas sendo vítimas de "bala perdida". Não há bala perdida e sim, Necro Política e Eugenias, e com suas miras racistas nos tiram a possibilidade da vida. No Brasil não há "guerra às drogas" e, sim extermínio das pessoas negras das Periferias e rua. Somos exterminadas e o sistema diz: eram bandidas, perigosas, a culpa não é minha, e sim delas, sua. O governo federal está propondo a nova PEC DA SEGURANÇA PÚBLICA, onde haverá as integrações entre Polícias, "Mudança". É preciso que entre nessa PEC punições exemplares para as pessoas bandidas, corruptas que atuam dentro da Pública de Segurança. Pra finalizar, é preciso reforçar que precisamos conhecer nossa História verdadeira a todo instante. Não a que está escrita nos livros de história do Brasil, e que foi rabiscada pela classe Dominante. E sim a da invasão deste PAÍS, feita pela Europa, por meio de Portugal e que nos deixou terra arrasada. Se não conhecermos de fato e de verdade, continuaremos sendo uma nação, infelizmente, ESCRAVIZADA...
- Editorial: Mortes, palanque, publicidade e impunidade
Paulo Pinto/Agência Brasil A dor, o choro e a indignação pelas mortes que não precisavam acontecer. Nossa solidariedade às famílias e aos amigos dos jovens que foram cooptados pelo tráfico, aos policiais e a toda a sociedade, que também morre em sua humanidade a cada massacre e chacina. No caso do Rio, segundo nota pública dos movimentos sociais, “o que se testemunhou foi uma operação de extermínio, não uma política de segurança. O uso indiscriminado da força, o desrespeito à vida e à dignidade humana e a ausência de transparência configuram graves violações de direitos humanos e rompem com os princípios fundamentais que devem reger qualquer ação estatal: legalidade, transparência, necessidade, proporcionalidade, precaução e responsabilidade.” O sucesso de uma operação não pode ser medido pelo número de mortes, de nenhum dos lados, e muito menos pelos aplausos de pessoas que se dizem cristãs diante da dor e do sofrimento de tantas famílias. O jornal O Trecheiro , sua equipe e todos aqueles que lutam pela vida e pela dignidade das pessoas manifestam sua solidariedade a todos e todas que sofrem com esses conflitos e acabam chorando suas perdas. Toda vida importa e precisa ser resgatada. Talvez nem a própria pessoa tenha o direito de desistir de viver. Viver não pode ser apenas uma escolha — é um direito, independente da condição social. Neste espaço, fazemos nosso silêncio indignado diante de tantas mortes que viram palanques, publicidade e permanecem impunes. 2 de outubro de 1992 - Massacre do Carandiru – 111 mortes de pessoas que estavam detidas na Casa de detenção pela polícia militar de São Paulo. 23 de julho de 1993 - Chacina da Candelária - oito jovens foram assassinados nas proximidades da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro. 17 de abril de 1996 - Massacre de Eldorado dos Carajás – 19 mortes de militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e 1.200 feridos. 19 de agosto de 2004 - Massacre da Praça da Sé , sete pessoas em situação de rua morreram e outras seis ficaram gravemente feridas. 12 de maio de 2006 - “Crimes de maio” – foram mais de 550 pessoas “sumariamente executadas” em São Paulo entre os dias 12 e 21 de maio. 6 de fevereiro de 2015 - Chacina do Cabula - 13 jovens negros foram brutalmente executados, no bairro do Cabula, em Salvador. Bahia. 13 de agosto de 2015 - Chacina de Osasco e Barueri - 17 pessoas foram executadas a sangue frio e outras sete feridas que sobreviveram. 11 e 12 de novembro de 2015 - Chacina de Curió - onze adolescentes, jovens e adultos, brancos e negros foram executados na cidade de Fortaleza-CE. 1 de dezembro de 2019 - Massacre de Paraisópolis morte de nove jovens ocorrido no bairro de Paraisópolis uma ação da Polícia Militar num baile funk na cidade. 28 de julho de 2023 Operações Escudo e Verão - com 84 pessoas mortas na Baixada Santista, em São Paulo. Dia 28 de outubro de 2025 – Matança no Rio de Janeiro - mais de 120 mortos numa operação policial contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro.
- QUEM CONTA AS MORTES POR FRIO?
“...a morte é presença constante no dia a dia de quem não tem como se abrigar do frio.” Fotos: Alderon Costa Há mais de sessenta anos que, durante o inverno na cidade de São Paulo, os jornais noticiam mortes de pessoas em situação de rua pelo frio. A notícia mais antiga que consegui encontrar foi publicada na Folha de S. Paulo em 18 de junho de 1961. O corpo de Romeu Petri, de aproximadamente 50 anos, teria sido encontrado “ao lado de pequena fogueira de gravetos e bambu seco, numa olaria de Guaianases”. Na época, o bairro no extremo leste de São Paulo era famoso pelas fazendas, pelas fábricas de tijolos, telhas e cerâmicas, e pela estrada de ferro que levava ao Rio de Janeiro. Cenário muito diferente do atual centro da cidade, onde tantos irmãos e irmãs ainda morrem em decorrência das baixas temperaturas. Até hoje, porém, as notícias de jornal são um dos poucos registros de quem e quantos são os que morrem de frio nas ruas de São Paulo. Apenas em 2018 a Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), começou a monitorar os óbitos decorrentes do frio no âmbito da Operação Baixas Temperaturas (OBT), implantada todos os anos durantes os meses do outono e do inverno. Ainda assim, como consta no relatório da OBT 2020, o levantamento realizado pela SMDHC é artesanal, dependendo de “informações derivadas de agentes públicos, dos territórios, notícias publicadas pelos meios de comunicação, movimentos sociais e pela sociedade civil em geral”. Na prática, a Prefeitura não registra ativamente a ocorrência dessas mortes. E, quando comunicada a respeito de um óbito, dificilmente reconhece o frio como causa da morte. Problemas cardíacos ou complicações de doenças preexistentes são usadas como justificativa para não atribuir essas mortes ao frio, embora as baixas temperaturas sejam responsáveis pelo agravamento do estado de saúde de quem está dormindo nas ruas. Assim, por trás de uma suposta busca pela causa “exata” da morte, camufla-se o impacto da exposição ao frio extremo. Como, então, garantir que essas mortes sejam registradas? Como fazer para que a memória de quem se foi sob o frio intenso nas calçadas da cidade possa ser resgatada e mobilizada na luta por dignidade e direitos da população em situação de rua? Aqui, é importante o trabalho que movimentos sociais, como o MNPR, a Rede Rua e o MEPSRSP realizam, de registro da ocorrência dessas mortes a partir de relatos de pessoas em situação de rua e parceiros, como o Consultório na Rua, o SEAS, os centros de acolhida e pessoas engajadas nas pautas da população de situação de rua. Mas é preciso articular esses registros para que se possa contrapor os dados da Prefeitura e reforçar a construção de uma memória das mortes na rua. O poder público e a imprensa lidam com o tema como se as mortes por frio fossem excepcionais, incomuns. É preciso mobilizar a força das ruas para mostrar que a realidade é outra, que a morte é presença constante no dia a dia de quem não tem como se abrigar do frio. A reunião desses registros pode dar visibilidade à urgência da pauta por moradia, saúde e assistência para a população em situação de rua.
- Editorial: É possível outros caminhos!
Duas notícias nos chamaram à atenção enquanto fechamos esta edição. Primeiro, a notícia de que no dia 4 de setembro, o pastor Wilson Botelho, líder da Comunidade Terapêutica Projeto Quero Viver, expôs seu ódio às pessoas em situação de rua: “Você vai embora agora, você não fica aqui. Se atravessar aquela ponte, amanhã às 4 horas da tarde eu vou fazer seu sepultamento. Só eu dar uma ligada aqui e você tomar dois tiros na cabeça. Entendeu?”, declarou Rabelo para a mesa da Comissão de Justiça da Câmara Municipal de Divinópolis/MG. No mesmo dia, o prefeito Gleidson Azevedo (NOVO), de Divinópolis, também afirmou que não iria atender ‘moradores de rua’ que viessem de outras cidades “sem o devido processo legal”. Na fala do prefeito e dos secretários a preocupação com as pessoas que estão em situação de rua e não são do Munícipio ( https://www.instagram.com/p/DOKINoAj-Tl/ ). “Morador de Rua” não tem o direito de ir e vir? Primeiro que ele não deveria morar na rua e muito menos ser morador de rua. As pessoas precisam de acolhimento, tratamento, encaminhamentos para políticas que contribuam para o seu fortalecimento e criem condições de saída digna das ruas. Falamos de duas notícias, a outra chegou de Maceió /AL, no dia 8 de setembro, onde o juiz Antônio José Araújo, da 9ª Vara Federal em Alagoas fez audiência na calçada para conceder benefício ao ‘morador de rua’, Amarildo Francisco dos Santos Silva, que tinha dificuldades de locomoção e precisava do BPC (Benefício de Prestação Continuada). O jornalista Carlos Madero, no site UOL, mostra a história do juiz que decidiu sair do gabinete, juntou as partes do processo, inclusive a procuradora-chefe do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em Alagoas, Tatiana Cabral Xavier para resolver a questão do Amarildo que teve o benefício concedido. Que esta história não seja uma exceção. Que a justiça continue olhando para as pessoas em condições de hiper vulnerabilidade e, mais importante, que a justiça vá aonde as pessoas estão precisando dela. Um contraponto à expulsão, ameaças carregadas de ódio, de preconceito, o acolhimento, a saída do espaço de acomodação e buscar soluções criativas que valorizem a humanidade, o juiz Antônio José de Araújo, provou que é possível outros caminhos!
- Renda Básica incondicional e universal
Congresso Internacional Promove o Debate sobre a Renda Básica de Cidadania no Brasil Por: José Vicente Kaspreski e Júlia Lima* Participantes do congresso - Foto: Lucas Porto No fim de agosto, ocorreu no Rio de Janeiro o 24° Congresso Internacional da Rede Mundial de Renda Básica (BIEN - Basic Income Earth Network). O evento contou com 415 participantes de 45 países e de todas as regiões do Brasil e teve como tema: “Renda Básica e Economia Solidária: Novos Horizontes para a Proteção Social”. Os dois primeiros dias, 25 e 26, foram de pré-eventos que ocorreram em Maricá, dedicados à América Latina e às pesquisas de jovens pesquisadores. Os demais dias 27, 28 e 29 ocorreram em Niterói. A escolha das cidades não foi um acaso. Ambas possuem programas de Renda Básica (ainda não universal) pagos com moedas sociais: a Mumbuca e a Arariboia, respectivamente. Foram mais de 160 atividades que trouxeram as diversas experiências existentes no mundo, abordaram as qualidades e desafios da proposta, e fizeram avaliações da situação atual do Brasil e do mundo. O evento contou com os principais intelectuais do assunto, como Philippe Van Parjis, o presidente da BIEN Sarath Davala, Guy Standing e nosso eterno senador Eduardo Suplicy. Leia também: Não podemos nos esquecer que a Renda Básica já é Lei em nosso país, a Lei Federal n° 10.835 de 2004, proposta pelo deputado Eduardo Suplicy. Por sinal, o Brasil foi o primeiro país a aprovar uma Lei que institui o direito de todas as pessoas residentes no Brasil há pelo menos 5 anos de receber um benefício monetário incondicional, suficiente para atender suas necessidades básicas. No que pese a Lei já ter 21 anos de existência, ainda estamos longe da sua implementação completa conforme os princípios da universalidade e incondicionalidade. Embora o Programa Bolsa Família seja a primeira etapa de implementação, devemos continuar lutando pela sua expansão. E por que a Renda Básica Universal e Incondicional é tão importante para a população em situação de rua? Um primeiro ponto é que ainda há uma significativa parcela de pessoas em situação de rua que não acessam o Bolsa Família. Dados de julho de 2025 do Cadastro Único indicam que há 351.508 pessoas em situação de rua no Brasil, sendo que apenas 261.673 (74%) recebem Bolsa Família, ou seja, mais de ¼ ainda não acessaram o recurso. Além disso, vemos que um relato comum da rua é o bloqueio do benefício em razão da obrigatoriedade de atualização do CadÚnico e do cumprimento das condicionalidades, o que não existirá em um programa de Renda Básica. Por fim, outro problema do bolsa família que seria evitado é a perda do benefício ao ser registrado em um emprego. Se a Renda Básica for incondicional e universal, a conquista de um emprego será motivo apenas de alegria, e não de corte de benefícios. É significativo que este debate esteja avançando cada vez mais no Brasil. E que as cidades de Maricá e Niterói possam inspirar outros municípios na proteção social dos seus habitantes! * Assessores do Deputado Estadual Eduardo Suplicy e membros do Fórum da Cidade de São Paulo em Defesa da População em Situação de Rua
- Carroça não é carro, é ganha pão!
“Quando precisamos brigar por um mês inteiro para que um trabalhador reciclador tenha sua carroça devolvida, sem a absurda cobrança de R$ 3.000 de multa, em uma cidade que ele ajuda a manter limpa, sem receber um centavo da prefeitura (justamente a cidade mais rica do país) é sinal de que estamos descendo uma grande ladeira abaixo”, desabafa Andreza do Carmo, coordenadora da Rede Rua. Só relembrando, o Sr. José Júlio Moreira Brito, conhecido como Joel, “na manhã de hoje, 21 de julho de 2025, por volta das 9 horas, relatou que, como de costume, pernoitou na região do final da Avenida Alcântara Machado, local em que dorme há anos. Nesta data, deixou sua carroça trancada e chave com um vizinho e se dirigiu ao centro de São Paulo, à Rua 15 de Novembro - Descomplica SP, para consultar a situação do seu benefício do Bolsa Família.” Ao voltar viu sua carroça dentro do caminhão da subprefeitura e foi orientado a para uma taxa de R$ 29,00 para reaver a carroça. Efetuou o pagamento com muito custo. Ainda assim, não conseguiu reaver a carroça. Onde foi preciso apelar para a ajuda de parlamentares (Suplicy e Luna) que ligaram para o Subprefeito para sensibilizá-lo a devolver a carroça sem o pagamento da nova multa de aproximadamente R$ 3.000,00 de alegada infração, talvez, pela carroça estar em cima da calçada. Enfim, hoje dia 27 de agosto, a carroça foi devolvida sem os seus pertences que estavam na carroça no momento da apreensão. Nosso maior respeito ao Sr. Joel, carroceiro lutador que não desistiu do seu DIREITO!!!
- “Esperando a noite chegar”
La Casa de Los Sueños foi inaugurada em fevereiro de 2024 e é um espaço em que todos podem sonhar. Por: Luciana Carvalho, Miguel Angel Herrera Carapia Foto: Miguel Angel Herrera / Rede Rua Com atividades culturais e oficinas gratuitas durante a semana, a Casa é uma experiência que nos convida a concretizar sonhos. Assim como diz seu convite de inauguração, “é uma proposta com espaços em branco para serem completados pelas organizações, coletivos, vizinhança, artistas e comerciantes do território. Particularmente, com os que ‘ficam nas praças esperando a noite chegar’, os que ‘habitam no esquecimento’ que são protagonistas desta experiência cultural e de desenvolvimento produtivo.” Desse projeto nasce, em junho de 2025, a revista Paria. Como disse Walter, em entrevista para o jornal, a revista é o resultado estético da Casa. É também um convite à ação aos leitores e uma forma de contribuir com esse e outros projetos para pessoas em situação de rua em Montevideo que, segundo os dados do Instituto Nacional de Estadística (INE), em 2023 eram 3.504 pessoas. Andreza do Carmo, coordenadora da Rede Rua compôs a mesa de lançamento e falou do sonho e da resistência em São Paulo. “É uma alegria estar aqui e poder sonhar juntos. Essa viagem longa, de resistência que fizemos tem muito a ver com a produção que vocês estão materializando aqui. E a resistência materializada de vocês que tem muito a ver com a resistência que fazemos em São Paulo.” “Arriba los paria del mundo” No dia 20 de junho foi o lançamento da revista Paria, em Montevideo, a equipe do jornal O Trecheiro que esteve em Montevideo e entrevistou Walter Ferreira, educador, sonhador e fundador da Casa dos Sonhos (La Casa de Los Sueños), projeto que lançou a revista. - Walter, pode nos falar de você e do trabalho? Comecei a trabalhar com as pessoas em situação de rua por meio da cultura. Eu escrevo e faço teatro, trabalho com oficinas literárias. Eu não tenho formação acadêmica, minha formação vem da vida e, apesar de trabalhar em uma universidade, nunca me formei em uma. Mas tenho uma experiência ativa, uma experiência que sempre põe em dúvida o que foi aprendido, de que precisamos aprender de novo. - Por que o nome da revista é Paria? Quando lemos, paria hoje significa “aquele que está por fora de tudo, o último, o excluído dos excluídos”, mas sua origem etimológica vem da palavra “tamborilero”, “tocador de tambor” na língua tamil. Em La Casa de Los Sueños trabalhamos com os tamborileros , os tocadores de tambor nas nossas atividades que, em sua maioria, são pessoas negras, que historicamente estão de fora de tudo e que acabam excluídas. Na Internacional Socialista aparecia, originalmente, a palavra paria. Dizia “Arriba los paria del mundo”, com o passar do tempo, mudaram a letra para “Arriba los pobres del mundo”. Mas são os parias do mundo que têm o potencial de uma mudança radical, que é o que buscamos. - Como será a produção da revista? A revista é um trabalho coletivo que surge da Casa dos Sonhos, tem hoje uma equipe pequena de 5 pessoas que pensam a revista, o estilo da revista, quem pode ser entrevistado, quais os conteúdos. É um projeto que nasce para ser autogerido, com uma equipe que deve crescer para ter no máximo 11 pessoas e em que a maioria delas tenham trajetória de rua. - Como vai funcionar a venda das revistas? Decidimos que as pessoas da equipe participarão de todo o processo da revista, serão criadoras da revista, saberão todos os conteúdos e nos encarregaremos de buscar na cidade e na rede que temos: pessoas, comércios, amigos, quem quer somar à distribuição e venda da revista. Ou seja, a equipe da Casa fará a busca de onde e como vender e a equipe da revista ficara com a produção. - Como vão financiar a revista? Em princípio, queremos que a revista se financie. Contamos com um aporte inicial, um valor pequeno que conseguimos para editar os primeiros 100 exemplares da revista. Com o valor das vendas desses 100 exemplares, conseguimos pagar esse aporte e finalizar o segundo número. - A erradicação da situação de rua é uma utopia? Falar da erradicação é uma provocação. No Uruguai, as políticas sociais para as pessoas em situação de rua têm algo em torno de 20 anos e em nenhum momento alguém propôs acabar com a situação de rua. E, assim se instala a ideia de que não é possível, que a situação de rua sempre vai existir. Já conseguimos erradicar a presença de crianças em situação de rua, por exemplo, então é possível. Assista à entrevista completa:
- O cerco está fechado
Para onde ir? Não tem lugar nesta cidade para quem é pobre? Qual a saída? Não tem muitas saídas! Uma vez na rua, sair dela se torna uma tarefa muito difícil, cara e complexa. Enquanto não houver uma mudança de cultura de políticas públicas essa situação vira um círculo vicioso de um faz de conta que você superou a rua. O que se vê é que as políticas públicas que temos hoje são justamente para manter as pessoas na mesma situação, ou piorar a vida delas. Não é que a política pública tem a intenção, o objetivo de fazer isto, mas ela leva as pessoas a um maior sofrimento a cada tentativa de superação. Fica parecendo que ela fracassou mais uma vez! Não sei se me faço entender. Vou tentar explicar melhor. Uma família ou pessoa não consegue mais pagar aluguel ou fi car na casa onde estão, sem essas alternativas a solução possível é ir morar numa barraca ou simplesmente nas calçadas, praças ou marquises, ou seja, em situação de rua. Isto sem levar em conta as condições de saúde de cada pessoa que, normalmente, já estão muito prejudicadas até pelas condições de sobrevivência. Daí entra num programa da prefeitura ou do governo federal, como o bolsa família, que, sem estar associada a nenhuma outra política como as de moradia, de fato não possibilita nenhuma mudança significativa para a família ou pessoa, apesar de ser uma política importante. A maioria dos programas ou políticas públicas são incompletos e temporários. Criar uma política pública de transformação requer disposição política, orçamento, participação, transparência, criatividade e abertura para as correções posteriores. Ainda se trabalha com a ideia de inserção na sociedade, volta para casa ou mercado de trabalho, sem analisar a realidade da sociedade cada vez mais excludente e de um mercado exigente e restrito. De fato, na maioria, uma vez em situação de rua, sempre na rua. Como aquele bordão cada vez mais comum: “eu saio da rua, mas a rua não sai de mim”. É exatamente isto que está acontecendo com muitas pessoas que entram em grande parte das políticas públicas existentes. Já adianto que o albergue, centro de acolhida, casa de passagem são políticas emergenciais. Infelizmente, hoje, estão praticamente sucateadas pela falta de investimentos e pelo aumento da demanda. Estas são políticas de manutenção. Poderiam ser uma porta de saída, de empoderamento das pessoas. Poderia! Mas, o que vemos são espaços de “acomodação” no mais profundo sentido dessa palavra. As políticas que poderiam ser de vanguarda, que surgem como um complemento ou até como inovação, como a locação social, e, em São Paulo, o programa Auxílio Reencontro, um tipo de auxílio aluguel e de trabalho, passam pela mesma crítica. Não são programas que enfrentam a realidade de quem está quase na rua ou que queiram sair dela. A começar pela sua implantação, que normalmente é incompleta e temporária. Dá-se o auxílio, mas não existe apoio na mudança de vida, na compra dos móveis, na ajuda financeira inicial, no acompanhamento real ou na possibilidade de se vislumbrar uma solução mais definitiva após 2 anos ou 3 anos. A política é temporária e restrita à assistência social, enquanto deveria estar atrelada a outras secretarias para dar um caráter mais definitivo. O fato é que a situação das pessoas vem piorando e assim, a cidade continua a ter cada vez mais pessoas em situação de rua. Edição N° 301 - Junho de 2025










