“A gente não tem onde ficar”
No final de novembro, moradores dos baixos do viaduto do Glicério, região central, foram surpreendidos com o início de obras para fechar parte do viaduto. Neste local, funciona o projeto Minha Rua Minha Casa e na outra parte moram, aproximadamente, 30 pessoas que estão em situação de rua, local onde se vê a construção de um muro de alvenaria.
Segundo funcionários da Codal Engenharia, responsável pela obra, apenas foi dito para levantarem o muro, deixarem sete metros aberto no meio e construírem dois banheiros.
A coordenadora do projeto Minha Rua Minha Casa, Rosana Baesso, não sabia o que estavam fazendo naquele espaço. Segundo ela, o projeto chegou a solicitar esse espaço para quadras e projeto esportivo, mas não obteve resposta da Subprefeitura Sé.
Enquanto os operários trabalham na construção do muro, Joaquim Ferreira de Andrade Neto, há um ano e seis meses na rua por não conseguir pagar o aluguel, planeja seu futuro. “Esse muro até ficou melhor para nós, pois impede d´água cair na gente e no futuro eles podem fazer uns cômodos para cada um de nós. Se nos retirar daqui só nos resta chorar”! Para Evandro Farias de Oliveira, morador do viaduto há 20 anos, não é a primeira vez que isto acontece. “Já tiraram a gente daqui e colocaram uma base. Fomos para o outro lado da rua e depois que eles se foram nós voltamos”.
Rogério Guimarães, catador e amigo dos moradores se diz indignado. “Isto é uma falta de respeito com os moradores de rua porque estão impedindo as pessoas de morar até na rua. O pior é que não dão nenhuma satisfação para onde essas pessoas vão”, desabafa Guimarães.
Segundo Carlinda Quirino dos Santos, moradora do viaduto há dois anos, também reclama do tratamento da Prefeitura. “Eles precisam arrumar moradia e não varrer a gente fora como animal”, declarou Carlinda.
Mayra Sílvia, jovem de 21 anos, moradora do viaduto há um ano, não se conforma com o tratamento recebido pelos funcionários da Prefeitura de São Paulo. “A proposta da Prefeitura é construir o mundo e nos colocar para fora. Eles não têm respeito com a gente. Eles vêm aqui, olha para a gente e pensam que a gente somos cachorros que ficam jogados debaixo desse viaduto”, declarou Sílvia. Segundo eles, continua Sílvia, “a gente não tem direito de nada debaixo do viaduto porque é da Prefeitura. Sim, é da Prefeitura, mas a gente não tem onde morar, a gente vai para onde”?
“Eles precisam arrumar
moradia e não varrer a
gente fora como animal”,
declarou Carlinda.
A questão colocada por todos que moram naquele espaço é para onde vão. “Esse muro está fazendo um inferno em nossa vida. A gente não tem para onde ir. Nós vamos para rua para eles irem lá e fechar de novo para a gente ir embora para outro lugar. A gente não tem onde ficar,” finaliza Sílvia já com lágrimas nos olhos. Já Viviane Alves da Silva nem consegue falar muito, pois não sabe o que vai fazer. “A família que eu tenho é essa aqui”, declara Alves.
A situação das pessoas que ali moram não pode ser considerada digna, mas é o espaço que eles têm. O que mais revolta, segundo Sílvia, é a falta de diálogo. “Eles poderiam vir conversar com a gente e nos ajudar a voltar para a família”. Para ela, só porque eles não têm dinheiro, não têm casa, o pessoal da Prefeitura acha que não são ninguém. “Não é verdade. Somos seres humanos como eles”, conclui Sílvia.
Segundo a assessoria de comunicação da Subprefeitura Sé, aquele espaço foi repassado para a Polícia Militar fazer uma base. Perguntada sobre a situação das pessoas que ali se encontram, a resposta foi categórica: não é com eles.
Segundo a Smads, “os agentes sociais atuam esporadicamente na região do viaduto do Glicério, mas em função do caso relatado vai realizar abordagem ao grupo, bem como produzir um diagnóstico que vai determinar para quais serviços socioassistenciais da pasta eles podem ser encaminhados. Salientamos que por questões legais, os agentes sociais da secretaria não podem obrigar essas pessoas a aceitar os serviços oferecidos pela Prefeitura”.
Edição Nº 185 - Janeiro de 2010
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