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“Nem olham na sua cara”

Fabiano Viana

Moradores de rua de Curitiba contam sobre a truculência da polícia, as drogas e a indiferença dos curitibanos. 

 

Conhecida como cidade “ecologicamente correta”, por ter uma população “educada” para a separação do lixo e em não jogar qualquer tipo de sujeira na rua, Curitiba é vista como Capital Social e reconhecida, internacionalmente, ela preocupação com o meio ambiente. Mas, nem tudo são flores, apesar das ruas da cidade com os singelos corredores floridos. Lá existem 2.773 pessoas morando em situação de rua. É um cenário crescente e que se mistura com as flores, a impecável limpeza e a falta de uma rede socioassistencial.


Truculência

O jovem Michael denunciou que um dia dormia embaixo do Viaduto da Estação Capanema, conhecido com “Viaduto da Anaconda” e foi acordado pela equipe da Fundação de Assistência Social (FAS) que queria levá-lo para tomar banho. “Eles nem oferecem café lá, não adianta nada, preferi ficar dormindo, já tinha ali meu café da manhã, não tinha porque ir para a FAS”. Ele conta que por causa da resistência em não querer ir tomar banho na Fundação, acionaram a polícia. “Chamaram a GCM e no local tinha eu mais uns cinco moradores de rua. Ao invés deles chegarem com respeito, ‘desceram a borracha’. Encostou, todo mundo na parede e deram choque nos ‘piá’”, denunciou Michael, e disse que o caso aconteceu há um ano.

Os moradores de rua são abordados seja por lojistas ou policiais. “Geralmente a Polícia não deixa você se deitar em algum lugar. Expulsa do local, se não sair é espancado. Ir para albergue é muita dificuldade, demora muito para entrar e para sair”, contou Gilmar Aparecido Freitas, curitibano, oito anos morador de rua.


Droga da rua

Michael Leandro Ferreira, curitibano de 26 anos, há um ano estava na rua por causa das drogas. Ele disse que pela dependência química do crack, a família não confia mais nele e por isso foi buscar refúgio nas ruas. Estava em tratamento e teve “recaída”. De acordo com ele, a droga está nas ruas e é impossível viver sem ela. “Quem mora na rua, não tem como não usar drogas porque se fala muito dela”, relatou Michael.

 

Indiferença

“Os curitibanos nem olham na sua cara”, contou Michael Ferreira. Pela experiência que vivencia, ele considera que para a população em Curitiba o morador de rua é considerado um lixo. “Você não é considerado pelo próprio conterrâneo como um ser humano. Você abre a boca para pedir um pão, não te olham nem na cara. Eu acho que eles pensam que, quem está na rua é lixo”, contou indignado.

Gilmar Aparecido disse que a Prefeitura deveria construir mais um albergue e considera o único que existe uma “porcaria”. Fala que era preciso construir mais um enorme. Mas, considerando o mundial de futebol de 2014, em que Curitiba será uma das sedes, faz uma previsão: “É capaz de melhorarem só por causa da Copa”.  



 

“Organizar é o nosso desafio” 

Sandra Mancino é assistente social do Centro de Apoio das Promotorias de justiça e dos Direitos Constitucionais do Ministério Público (MP) do Paraná. Contribui com organização do Movimento Nacional de População de Rua em Curitiba.

 

 O Trecheiro: Que denúncias chegam ao MP?

“As principais estão relacionadas à violência física causada pelas abordagens nas ruas e do Resgate Social”.

 

O Trecheiro: Existe rede socioassistencial que atenda de forma diferenciada?

“Não. Para alguns que conseguem emprego, por exemplo, falta uma rede social. O que acontece é que eles ficam no albergue com o público que chega à noite alcoolizado. Psicologicamente, fica muito difícil de segurar o entusiasmo da saída”.

 

O Trecheiro: Qual a sua avaliação dos serviços socioassistenciais em Curitiba?

“Desde 2007, temos feito reuniões com o governo municipal para ampliar os serviços. Os próprios técnicos do albergue reconhecem que esse serviço deveria ser, apenas, porta de entrada mas, é o único programa que atende as pessoas em situação de rua. Temos insistido e o município está programando fazer algumas unidades regionalizadas do CREAS e construir redes solidárias de atendimentos sob a responsabilidade de ONGs”.

 

O Trecheiro: Quais sãos as dificuldades para a mobilização da população de rua?

“São pessoas com bastante dificuldade de organizar a própria vida. Participar de um movimento de luta não é algo fácil, exige renúncias. O morador de rua tem uma luta diária. Lutam para comer hoje e não amanhã. E pensar que ele pode se organizar é nosso desafio”.




Edição N° 190 - Agosto de 2010

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