Parte II – Um testemunho de vida

Matsumoto Hiroshi, da Associação Sasashima Kyousei-kai é uma das pessoas
admiráveis de Nagoya. Nascido em 1947, período em que o Japão vivia na pobreza do pós-guerra. Em razão de tuberculose sofrida pela mãe ele foi internado, durante seis anos, no Lar Santa Elizabeth, instituição que acolhia crianças abandonadas que nasceram da relação de soldados americanos com japonesas durante a guerra.
Quando iniciou a Guerra do Vietnã, em 1969, ele entrou na universidade em Tokyo. Nessa época, um amigo alistou-se no exército americano, foi para o Vietnã e morreu. Este acontecimento, as experiências do pósguerra e o orfanato o fizeram pensar em paz. A experiência de ser filho de um pastor anglicano o fez deixar a universidade, tornar- se religioso e trabalhar em prol da paz. “Paz e guerra são antônimos, mas não é a este tipo de paz que me refiro. Os pobres não vivem uma situação de guerra, mas vivem constantemente a não paz”, explica.
Por carência de vocações, a sua congregação faliu e ele decidiu se mudar para Nagoya em 1975. Causou-lhe um grande impacto saber pelos jornais que onze moradores de rua haviam morrido naquele ano devido à fome e ao frio. Este episódio fez com que se juntasse a outras pessoas e criassem a ONG Sasashima Kyosei-kai.
Matsumoto faz uma distinção entre sem casa e sem lar. “Muitos brasileiros vieram ao Japão, deram lucro às fábricas e ficaram desempregados. Eles não perderam a moradia, mas não tinham o que comer. Tinham casa, mas não tinham lar. Ainda que percam suas casas se voltarem ao Brasil provavelmente encontrem um lar, mas os japoneses que enfrentaram esta mesma crise perderam tudo e não têm para onde ir. Alguns têm até família, mas sofrem impedimentos para esse retorno ao lar”.
Matsumoto mostra a arquitetura de pedras que pode ser vista sob os viadutos para impedir que as pessoas de rua durmam nesses locais. Na luta pela garantia do direito do morador de rua se instalar em locais públicos da cidade, ele e dois companheiros foram presos pela polícia. Em seguida, algumas idéias de Matsumoto Hiroshi sobre a realidade de rua em Nagoya.
As causas da situação de rua no Japão
“O morador de rua japonês é consequência da modernidade. A sociedade é egoísta, consumista e fechada em si mesma. Estamos perdendo os valores familiares. Ele é vítima da pro- dução em massa, da busca por mão de obra barata e imediata. São usados e depois descartados. São refugiados econômicos. Os políticos defendem que se a pessoa batalhar consegue o mínimo para sobreviver e alcança a felicidade sozinha. A escola ensina que se você se esforçar e estudar bastante você consegue. A responsabilidade e só da criança, só da pessoa. Não há uma responsabilidade coletiva. Muitos, quando adultos, ao verem que não conseguiram se responsabilizar por si, consideram-se vítimas de si mesmo e não da sociedade. Este grande sofrimento joga muitas pessoas nas ruas”.
Oferecer um ambiente familiar
“A cultura tradicional nos apresenta a imagem do samurai com o palito de dente na boca como se tivesse acabado de comer uma refeição. Mesmo que ele esteja morrendo de fome ele tem que manter a aparência de que está bem. Ainda que a família dele esteja passando fome ele não pode demonstrar fraqueza.
Outro aspecto é a ligação da pessoa com o vilarejo de onde saiu. Se sair do vilarejo para outra cidade em busca de trabalho e fracassar ela não consegue voltar por vergonha. Os vizinhos poderiam dizer que ele não deu certo, que é imprestável. Essa mentalidade faz com que muitos se suicidem. O nosso desafio é trabalhar para que nos tornemos a família desses moradores de rua, oferecer um ambiente familiar para que ele possa se levantar e andar de novo e saiba que contará sempre com apoio para vencer”.
O morador de rua prima pela solidariedade
“Eles são muito solidários, preocupados uns com os outros. A sociedade japonesa vive essa disputa de quem tem mais, quem chega mais rápido ao topo. Nessa sociedade, o morador de rua prima pela solidariedade, pelo lado bom. Eles podem não ter a capacidade intelectual dos que ganham dinheiro, mas possuem uma capacidade enorme de se ajudar, de cuidar um do outro”.

Edição N° 197 - Maio de 2011
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