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- Mesmo no frio preferem a rua
O frio desse ano já deixou os “com casa” em estado de alerta. Mesmo com o conforto, casa, cama, cobertores e aquecedores, as baixas temperaturas desse ano preocupam. Imaginem a situação dos “sem-tetos” que além do frio precisam enfrentar a incompetência dos órgãos municipais que não fazem planejamento adequado para acolher a diversidade de pessoas que são obrigadas a morar nas ruas da cidade de São Paulo. Além do mais, retiram cobertores doados por organizações sociais e lavam as calçadas de madrugada molhando pessoas e pertences. Dona Maria Ruth Ferreira da Silva, 46 anos, nascida em Lavras (MG), há 29 anos em São Paulo e nove anos em situação de rua declara que tem problemas com drogas, mas graças à fogueira e à solidariedade ela e seus companheiros conseguem sobreviver. “Estou na rua porque são muitos problemas, envolve muitas coisas e acabou não dando certo e fui parar na rua. Ai de nós se não fossem as comunidades que trazem comida! A Prefeitura só faz tirar a gente, até os cobertores da gente eles tomam. Esta casinha que você está vendo foi feita com os cobertores que escondemos. Acordei cedo e escondi. Se ficar esperando, eles levam tudo”, declarou Ruth. Para Ednilton Costa de Oliveira, 29 anos, foi para rua porque perdeu a família. Já passou por vários albergues e tem muitas reclamações. “Têm alguns desses lugares que os monitores tratam a gente ruim e alguns companheiros de rua não sabem respeitar a área. O albergue tem muitas regras e os moradores de rua não conseguem seguir estas normas. Corre droga e bebida dentro dos albergues. Muitos não vão para o albergue porque não querem saber de pernoite, mas vaga fixa”, reclama Ednilton. Já para o enfermeiro desempregado, Valdir Pinto que cuida de uma senhora que fi ca sentada na passarela da Praça das Bandeiras, no Centro, o problema não é o frio, mas sim a limpeza urbana e as dificuldades com os albergues. “Então, no dia15 de julho, estava com a Maria aqui na passarela, quando deu três horas da manhã chegou um carro da GCM e nos acordaram e pediram para sair para o pessoal da limpeza jogar água pela segunda vez numa mesma noite. A placa do caminhão era EQG 7139. Não vou para o albergue porque eles difamam sua imagem e qualquer coisa colocam seu nome na lista de pessoas com problemas e o nome da gente acaba sendo riscado”, reclama Valdir. Para Jean Manoel Carvalho de Sousa, a rua é mais limpa e segura do que os albergues. “Estou em situação de rua por falta de vaga em albergues e quando aparece são nos albergues com surto de muquirana (piolo). Não vou pegar uma cama com muquirana e correr o risco de ter minha bolsa roubada. A solução é matar as muquiranas e dar uma coisa digna. Não adianta abrir vagas e não sermos atendidos antes da meia-noite”, questiona Jean. “ Graças à fogueira e à solidariedade ela e seus companheiros conseguem sobreviver” Edição N° 199 - Julho de 2011
- Um banco vazio no Largo Santa Cecília
No dia 17/6, no Largo Santa Cecilia, amigos e conhecidos fizeram homenagem a dona Mara Maria de Medeiros Pereira, carioca de 72 anos, conhecida como dona Mara, moradora do Largo Santa Cecília, faleceu na manhã do dia 11 de junho de 2011, num domingo, no Pronto- Socorro da Barra Funda, para onde foi levada no sábado, depois de muitas tentativas frustradas de atendimento pelo SAMU. Conheci dona Mara, dois meses antes de sua morte, apresentado pela Tina Galvão, moradora dos arredores do Largo Santa Cecília que já expressava sua preocupação com a saúde de Mara e para onde poderia encaminhá-la para os cuidados que se faziam urgentes. O nó do problema é que ela sempre se recusou a sair do Largo. Ninguém conseguia convencê-la de se tratar. Foi solicitada uma interdição judicial ao Ministério Público para que alguém cuidasse dela, mas não se conseguiu. Muitas histórias são contadas sobre ela, mas o fato é que ela fez do Largo sua casa, dos bancos sua poltrona e dos transeuntes e moradores seus familiares. Seu companheiro conhecido como Elias da Silva, aparecia quase sempre para lhe trazer comida. Havia notícia que sua filha mora no Rio de Janeiro. Segundo frequentadores do Largo, Mara já teve uma vida “muito boa”. Ela recebia uma pensão que era de sua mãe de, aproximadamente, R$ 2.000,00 (dois mil reais) que, segundo alguns, quem administrava esse dinheiro era seu companheiro. Conta-se que ela sempre ajudou os moradores de rua e que, antes de ir para rua morava em hotéis. Assim era dona Mara que agora vai deixar o Largo Santa Cecília mais vazio. E para aqueles que a conheceram e acompanharam seus últimos momentos, uma revolta pelo jeito que veio a falecer. No sábado, dia 11 de junho, chamado pela Tina, encontrei a sentada num banco que fica bem perto da Igreja. Quando a vi, pensei que já estivesse morta. Ainda respirava forte e parecia lutar para viver muito mais. Não foi fácil conseguir um atendimento para ela, como tem sido para todos que estão na rua. Ao lado do banco onde estava Mara, uma base da GCM (P70330) e mais ao fundo do Largo, uma base da PM. A GCM dizia que não podia levá-la ao hospital e já tinha acionado o SAMU (protocolo 831732 – 14 horas). Já eram 16 horas e o SAMU não chegava. Mara permanecia sentada, ou melhor, quase deitada no banco. Ás 16h10 chegou a ambulância do SAMU e os profissionais fizeram todos os procedimentos de emergência e levaram Mara para o Pronto-Socorro da Barra Funda. Infelizmente, o esforço de tantas pessoas veio tarde. O corpo da Mara já não tinha mais resistência. Sua morte já vinha sendo anunciada por aqueles que a conheciam. Ninguém consegue viver tanto tempo nas condições em que Mara e tantos outros companheiros vivem nas ruas. Mara morreu e muitos outros devem estar morrendo nesse momento porque o Estado não está preparado para salvar essas vidas “que não valem nada” aos olhos de muitos. Só atrapalham! Uma moradora de rua a menos. O Largo está com um banco vazio! No cemitério, seu companheiro, este jornalista e três funcionários da Prefeitura acompanharam o enterro que Mara já deixara pago. Edição N° 199 - Julho de 2011
- O dia a dia nas tendas
O Trecheiro foi para as ruas saber como as pessoas passam seus dias nas tendas. A reportagem ouviu moradores em situação de rua e funcionários de serviços. Confira. O primeiro ponto de parada da reportagem foi o Centro de Acolhida Santa Cecília. O serviço é oferecido pela Sociedade Amiga e Esportiva do Jardim Copacabana. A entidade administra o espaço com 29 funcionários e com um orçamento mensal de R$ 59.965,85, repassado pela Prefeitura. Em geral, as pessoas que fazem uso do espaço consideram a tenda melhor do que as ruas. “Meu dia é assistir uma tela, tomar um banho. O dia a dia fi co aqui e depois das 22 horas dormimos na frente do centro de acolhida, declarou Carlos Henrique Borges Moreira, 18 anos, enquanto cortava o cabelo no Centro. Ele faz parte das 309 pessoas em situação de rua que, segundo a última pesquisa da FIPE/2010, moram na região da Santa Cecília. “Este espaço é uma benção na minha vida porque não fi co na rua”, declarou Gilson Roberto da Silva. Gilson, 40 anos, natural de Barretos (SP) está há dois anos em situação de rua por usar droga. Segundo ele, há mais de 26 anos que já tem contato com as drogas, mas somente há três anos caiu na rua por conta do crack. Para Alessandra Gabriel, psicopedagoga, o Centro de Acolhida é um espaço de convivência que propicia um tempo para a pessoa saber o que quer. O objetivo fi nal é que a pessoa possa sair da situação de rua. Para isto, existe programação de ofi cinas, cursos, agenda de conversas e serviços de higiene pessoal. Para Glenia Boschetti, da administração do espaço, a reclamação da comida é comum, mas não é a prioridade do Centro. “Já existem outros lugares que oferecem a alimentação. O segundo ponto de parada da reportagem do O Trecheiro foi o projeto que deu origem aos outros centros, o Jardim da Vida Dom Luciano Mendes de Almeida, no Parque Dom Pedro. O espaço é administrado pela Associação Aliança de Misericórdia, com 39 funcionários e orçamento mensal de R$ 111.546,20, repassado pela Prefeitura. Segundo o gerente do centro, Felipe Faria de Paula, o objetivo é acolher, ser a porta de entrada para a rede social e por meio de muita conversa ajudar no resgate pessoal e familiar. Mas, o espaço não faz jus ao nome. Logo na entrada a reportagem encontrou pessoas que lavavam suas roupas em frente ao portão de entrada. O espaço situa-se entre duas praças cortadas pela ponte da Avenida Rangel Pestana. Um grande espaço aberto com mesas, árvores e até um campo de futebol. Dentro das tendas, televisão ligada e mesas para jogos. Embaixo do viaduto, na passagem de uma tenda para outra, banheiros químicos em péssimo estado. Elizama Luis Alves aprova o projeto, mas reclama: “Com a chuva tivemos alguns problemas dentro das tendas, os banheiros também não estão limpos, e queremos uma lavanderia como na Mooca”. De acordo com a assessoria de imprensa da Smads, os banheiros antigos foram completamente substituídos por novos e não há condição para lavagem de roupa. A secretaria adiantou, ainda, que está trabalhando em um projeto de centro de convivência, embaixo do Viaduto Alcântara Machado, que comportará, além dos banheiros, tanques de lavar roupa e varais para a secagem. Carlos Alberto Reis Pereira, 43, que foi morar na rua por perder o pai, a mãe e ser filho único, gosta do espaço, pois consegue dormir um pouco mais. “Eu uso aqui para dormir um pouco, pois trabalho à noite catando latinha e acordo cedo. Aproveito para tomar banho, assistir televisão, jogar bola e participar dos jogos de mesa”, declara Carlos. Paulo Henrique da Silva reclama dos albergues, da tuberculose e da dificuldade em arrumar trabalho. “Essa tenda ajuda muitas pessoas, mas não ajuda muito, pois elas vêm e vão. Elas precisam de trabalho. Meu medo é de virar um vagabundo como muitos,” conclui Paulo. Edição N° 196 - Abril de 2011
- Vitória dos movimentos: Gegê Livre !!!
Lutar Não é Crime! Definitivamente! Ao final da tarde do dia 5 de abril, após decisão unânime dos jurados, a juíza Eva Lobo Chaib Dias Jorge do 1º Tribunal do Júri de São Paulo declarou a inocência de Gegê. Foram dois dias em que a angústia pairou sobre todos os companheiros que acompanhavam o julgamento, tanto dentro do plenário, sempre lotado, quanto daqueles que acompanhavam de longe. Após a juíza decretar definitivamente o fi m do júri, o plenário irrompeu em palmas e vivas de alegria. Todos se abraçaram de alívio após tanta tensão, como se abraçassem o próprio Gegê, com sorrisos nos rostos e não raras vezes com as faces molhadas de lágrimas. A absolvição já se mostrava possível após a fala final do promotor de justiça, Roberto Tardelli. Quase ao final de sua longa arguição afirmou que, apesar da falta de provas ainda restava dúvida, e que por isso pedia que os jurados o absolvessem. Mas a decisão final caberia aos jurados. Em seguida, o advogado Dr. Guilherme Madi Rezende tomou a palavra para fazer a defesa de Gegê. Segundo ele, sua inocência era evidente diante das provas. Logo após, os jurados se retiraram para a votação secreta. Em poucos minutos voltavam para suas cadeiras e a juíza leu a decisão final. Foram oito anos de paralisação da vida política de Gegê. Foram meses de trabalho intenso por parte de seus apoiadores, principalmente do Comitê “Lutar Não é Crime”, que atuaram contra o risco de criminalização. Foram dois dias tensos de julgamento, em que estavam presentes representantes de diversos movimentos sociais, de entidades defensoras de direitos humanos, de senadores, deputados federais e estaduais, vereadores, amigos e familiares. Mesmo as testemunhas de defesa, após seus depoimentos, ali continuaram até o final, incluindo o irmão de Gegê, o cantor Chico Cesar. O senador Eduardo Suplicy, também testemunha, expôs o caso ao Senado, em Brasília. Dia 5 de abril não foi somente o dia da liberdade de Gegê, foi o dia em que os movimentos sociais de luta pela vida com plena dignidade humana tiveram a certeza de que a luta vale a pena. Esta data foi histórica para a luta dos movimentos. Por tal importância, foi protocolado na Câmara Municipal, pelo vereador Chico Macena, projeto de lei que institui o 5 de abril como dia municipal pela luta contra a criminalização dos movimentos sociais. A LUTA ONTINUA. LUTAR NÃO É CRIME!!! Mais informações: www.lutarnaoecrime.blogspot.com Edição N° 196 - Abril de 2011
- “Dois presidentes de uma vez só”!
No dia 23 de dezembro de 2010, pessoas em situação de rua, catadores de materiais recicláveis, representantes de diversas organizações sociais e do poder público participaram do 8º encontro de Natal com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assim, Lula cumpriu a promessa feita, em 2003, de retornar todo final de ano a São Paulo para se reunir com a população de rua e os catadores. Neste ano, o encontro contou com a presença da presidente eleita, Dilma Rousseff e, aproximadamente, 2000 pessoas. Este evento, organizado pelo Movimento Nacional de Trabalhadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), fez parte da programação da ExpoCatadores 2010, evento internacional no qual participaram catadores de diversos países da América Latina e África do Sul. A presença de dois presidentes da República, ministros e autoridades dos diferentes níveis da administração pública, apresentação de grupos de cantores e artistas de rua e catadores de São Paulo e do grupo Karecoragem de Belo Horizonte, as manifestações dos representantes dos movimentos dos catadores e das pessoas em situação de rua deram a dimensão da importância deste evento: momento de esperança, de comemoração e agradecimento. “Isso é uma coisa inédita na história do Brasil, um presidente da República se dispor todo ano encontrar a população de rua e catadores. Isso trouxe avanços, mas ainda tem muitos desafios. Mas o saldo é de esperança pelas conquistas realizadas”, disse padre Júlio. Essa opinião é compartilhada por Valter Agostinho da Silva do MNPR de Belo Horizonte. “No governo Lula, a população em situação de rua entrou no Planalto, teve acesso aos ministérios e houve abertura de novas conversações. Hoje, temos o Centro de Defesa de Direitos Humanos, o Disque 100, a Política Nacional para a População em Situação de Rua, o Comitê de Acompanhamento”, argumenta Sr. Valter. Edy de Lucca, da OAF-SP e uma das organizadoras afirmou que é emocionante verificar a trajetória de conquistas iniciada há oito anos atrás por meio de um caminho novo e inédito. “A grande novidade é essa, os mais pobres serem escutados, terem espaço para poderem falar e expressar suas reivindicações”. Para Simão Pedro, deputado estadual do PT por São Paulo, “normalmente, o poder distancia, mas o Lula quebrou essa regra. Ele nunca esqueceu a origem dele e por isso o povo o ama tanto. Este encontro simboliza isso, a aproximação do presidente com o povo mais simples”. O ato, conduzido pelo padre Júlio Lancellotti, vigário da Pastoral do Povo da Rua, teve início com a entrega por Lula e Dilma de dois caminhões a cooperativas de catadores para a coleta seletiva solidária. Durante o evento, o presidente assinou vários decretos e entregou o “Selo Amigo do Catador” a prefeitos de diversas cidades por terem aderido ao projeto lançado em 2009 e remunerar as cooperativas de catadores pelos serviços prestados aos municípios. Antonio Vermigli, italiano, foi homenageado com a Ordem do Mérito pelos projetos sociais desenvolvidos no Brasil. Reconhecimento do governo Lula Maria Lúcia Santos Pereira agradeceu ao presidente Lula em nome do Movimento Nacional da População de Rua e disse que o ano de 2010 foi um marco pela implantação de políticas públicas e destinação de verba para a contagem do IBGE. “Durante muitos e muitos anos, a população em situação de rua foi invisível e somente uma pessoa humana e sensível poderia se deixar inclinar e escutar o clamor de um povo. O senhor não se esqueceu as suas raízes e o que prometeu a seu povo. Hoje temos esperança no nosso olhar, nosso olhar hoje em dia brilha porque somos reconhecidos como cidadãos”, afirmou Lúcia. Matilde Ramos da Silva, do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis agradeceu ao presidente Lula. “O senhor cumpriu tudo aquilo que senhor tinha dito pra gente. Mudou as nossas vidas! Há vinte anos trabalhei no lixão e só pude sair do lixão, graças às políticas públicas que o senhor criou e nos olhou como trabalhadores. É isso que somos, trabalhadores! Presidente Lula, avançamos muito. Quando se ouviu falar que a gente poderia assinar convênios! E foi com seu apoio que as portas se abriram. Apenas uma pergunta, presidente: O senhor tem noção do que o senhor fez em nossas vidas? Sair dos lixões e sermos reconhecidos como profissionais, antes massacrados num trabalho desumano? Nunca vamos esquecer o que o senhor fez em nossas vidas e agradecemos muito”, finalizou Matilde. “Juntos vamos mudar essa situação” Antes de seu discurso, a presidente Dilma procurou compreender a letra da música feita por Geraldo Amâncio dos Santos, mineiro e cantou: “Só vence nessa vida quem trabalha e muito tenta seja morador de rua, catador ou Presidenta”. Em seguida, se comprometeu a dar continuidade à implantação de políticas públicas para a população de rua e catadores e assumiu também o compromisso de participar, anualmente, do encontro de Natal assim como fez Lula. “Temos que olhar o mundo e pensar o que fizemos para transformá- lo e o que devemos fazer para continuar essa transformação. Vim para assegurar que juntos vamos mudar essa situação”, finalizou a presidente. Joeliton Alves dos Santos, um dos organizadores, compôs música para o presidente que foi cantada durante todo o evento: Não foi só o Brasil que aprovou. O mundo inteiro viu. Luiz Inácio Lula da Silva, O melhor presidente do Brasil. Lula inicia seu discurso pedindo uma oração ao vice-presidente José Alencar e todos no plenário rezaram o pai-nosso. Em síntese, o presidente destacou que tem muita gente que age como se o Brasil não tivesse mudado. “Mas basta ouvir o discurso das pessoas. Elas aprenderam a andar de cabeça erguida, porque catar papel não pode mais ser vergonha, é orgulho de levar para casa o sustento. E que o morador de rua não é nenhum caso perdido, nem caso de polícia, é um caso de amor, é um caso de paixão, é um caso de políticas públicas”, encerrou o presidente Lula. Hoje, temos caminhões, barracões, prensas, estamos avançando na cadeia produtiva graças ao teu governo. Nunca vamos esquecer o que o senhor fez em nossas vidas. Matilde Ramos, MNCR Edição N° 194 - Janeiro / Fevereiro de 2011
- O Brasil quase mudou!
“Não precisaria ninguém fazer discurso, é só ver esta fotografia minha, da Dilma e vocês aqui, para a gente notar que alguma coisa mudou neste País. Quando é que se imaginou que um presidente do BNDES viria a uma reunião com catadores de papel e assinar financiamento para catadores de papel. Jamais isso foi pensado neste País. Quando é que a gente imaginou o presidente do Banco do Brasil vir a uma reunião com os catadores de papel e assinar acordos. Essa quantidade de ministros aqui, a Fundação Banco do Brasil, dois presidentes de uma vez só, dizer que o Brasil não mudou é não enxergar esta foto”. Este trecho é parte do último discurso do presidente Lula feito, no dia 23 de dezembro, em São Paulo com catadores, pessoas em situação de rua e a presidente Dilma, que prometeu dar continuidade a esses encontros. De frente com o Presidente Durante muitos anos da minha vida, senti o desprezo e o descaso de uma sociedade que se dizia democrática e partidária. Ao entrar de cabeça no Movimento Nacional da População de Rua, de uma certa forma, foi um grito de liberdade e do desejo de ver um mundo melhor. Vontade de me sentir humana de novo, pois as ruas tiram toda a nossa dignidade e identidade. Em 2009, tive o prazer de sentar perto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e vê-lo assinar o Decreto das Políticas Publicas da População de rua que, a meu ver, é nossa carta de alforria, pois éramos escravos do descaso e da discriminação da sociedade. Num momento pude ver de perto o rosto de um homem que havia olhado para o nosso sofrimento, que nos possibilitou sair da invisibilidade rumo ao protagonismo. Ao ser convidada para fazer um discurso de agradecimento ao presidente Lula e, ao mesmo tempo, sensibilizar a presidente Dilma, em 2010, me deu um pavor imenso. Como colocar em palavras tanta gratidão, como expressar a alegria de milhares de companheiros, que haviam voltado a sonhar novamente. Não deveriam ser as minhas palavras, mas a de um povo que eu representava. Durante o tempo, que antecedia esse momento, fiquei a pensar nos companheiros de tantos estados e relembrar as partilhas, as reuniões, o brilho dos olhares que trocamos, as euforias dos planejamentos, as estratégias que idealizávamos. Pois foi isso que Lula nos deu, a vontade de lutar, a força para gritar, o desejo de nos organizar. E quando chegou o momento, permiti que tudo fluísse, percebi que bastava apenas deixar o coração falar. E o meu coração falou. Ao me inclinar diante dele, não era a atitude de submissão e de sim de respeito e, porque não dizer reverência, não como se reverencia a um Deus, mais a um ser humano. Pois o mundo tem sede e fome de mais seres humanos. Ser humano é ser firme sem perder a doçura, é ter honra e respeito com o mais fraco, é cumprir a palavra dada, é não esquecer que acima das ações deve existir o coração, é não ter vergonha de chorar e de se alegrar. Somente uma coisa eu não falei e que ficou engasgada: pedir que ele não se fosse, que ele continuasse o que havia começado. Porém o meu coração ficou em paz, quando ele me falou no ouvido, que agora voltaria a visitar as ruas e que não nos abandonaria e nem nos esqueceria. O mundo tem sede e fome de mais seres humanos. Maria Lúcia Santos Pereira Edição N° 194 - Janeiro / Fevereiro de 2011
- Ao final da rua
Em meio a vários galpões usados para depósito de alimentos, bem no centro da cidade de São Paulo, uma rua é o cenário de nossa “vida no trecho” desta edição. Ao final da rua, um lugar tradicional de despejo daquilo que não se vende mais. São batatas, cebolas, melancias, ramas de alho que já não podem mais ser comercializadas. Mas, para as pessoas que sobrevivem por ali, é um banquete. Esses alimentos até podem ser vendidos se forem limpos. Esse espaço já foi uma grande favela, mas atualmente apenas algumas pessoas em situação de rua dormem por ali. O setor de limpeza urbana da cidade volta e meia está levando quase tudo que as pessoas juntam. Mas eles sempre estão naquele cantinho, não desistem e insistem em viver por meio do trabalho ou por uma esperança que às vezes não conseguimos entender em meio a tanta tragédia. É o que vamos ler com a pessoa que encontrei na manhã do dia 26 de outubro de 2010. Ao passar por aquele cantinho, chamou-me a atenção um grupo de três pessoas sentadas, conversando e rindo e ao fundo uma intervenção de grafite. Das três pessoas que ali estavam, dois autorizaram contar um pedaço de suas histórias para mostrar que são pessoas e como tal também têm suas tragédias e esperanças. Marcos Perejão dos Santos trabalha de “carroceiro”, catador de material reciclável, de onde tira seu ganha-pão de todo dia. “Infelizmente, do jeito que está a situação não dá. A polícia e o rapa estão vindo e tomando mercadoria nossa”, reclama Perejão. Segundo ele, nos últimos anos tem sido difícil trabalhar nas ruas de São Paulo. “Eu estou trabalhando, mas na situação que está, estamos perdendo a situação de vida. Porque a gente é chamado de mendigo, maloqueiro e ladrão. Só estou pegando material do lixo. Se tirar os carroceiros da rua, o que vai acontecer”, questiona Perejão. Assim é a vida de quem mora na rua ou trabalha nela. É a violência e a perseguição da Prefeitura que leva as carroças e, muitas vezes, até pertences pessoais. Segundo Parejão, “Vida pior que isso só a vida de Jesus que viveu de pés no chão, viveu 33 anos sofrendo por nós. Enquanto Deus der o sol, a luz e a vontade de trabalhar, eu vou vivendo”. Parejão nasceu no Paraná, em Paranavaí e foi criado em São Paulo. Chegou a concluir o ensino médio. “Cheguei nesta vida por uma `conjugação´ de marido e mulher. Tinha tudo, mas a situação de vida com mulher me levou a esta vida. Foram dois casamentos com papel passado e outros. Tenho seis filhos. Vim para a situação de rua no meu último casamento. Minha esposa, Ana Maria de Melo, veio para São Paulo arrumar uns documentos nossos e uma carreta passou por cima dela aqui perto, na Avenida do Estado”, declara Perejão. A esperança faz parte da vida dessas pessoas e, muitas vezes, até questiona a sociedade consumista. “Espero que Deus continue me dando o suficiente”, conclui Perejão. Deuslírio Barbosa dos Santos, baiano de Planalto, cidade que fica próxima de Vitória da Conquista, amigo de Perejão também mora no final da rua. Foi morar nas ruas porque se separou da mulher. “Minha vida era normal, trabalhava no Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas (IBEP), mas fui demitido”, declarou Deuslírio. Segundo ele, sempre agradece a Deus depois da meia-noite por mais um dia de vida. Ainda não conseguiu uma ajuda para ir para um centro de recuperação. Edição N° 192 - Novembro de 2010
- Após a eleição, o Brasil pode mudar?
Na segunda-feira, dia 1 de novembro de 2010, logo após a eleição da nova Presidente da República, Dilma Rousseff, o jornal O Trecheiro flagrou mais uma ação da “Limpeza Urbana” da Subprefeitura da Mooca, acompanhada pela Guarda Civil Metropolitana. A ação consistia em destruir as casas improvisadas das pessoas em situação de rua e recolher todos os objetos que estivessem no espaço. A ordem era limpar calçadas e baixos dos viadutos. O trabalho dos funcionários da limpeza foi eficiente. Não ficou nada em pé. “Essa ação é uma patifaria. É todo dia! Hoje eles não levaram tudo porque vocês estão aqui”, desabafou Claudinei Adalberto Pereira que mora no início da Rua Presidente Wilson, próximo ao Viaduto Alcântara Machado. Izilda Pereira subiu, de repente, no caminhão, jogou seu colchão abaixo e não permitiu que eles o levassem. “Eles acham que nós vivemos na rua porque queremos. Nós somos obrigados a morar aqui e a solução seria a Prefeitura nos dar um espaço para morar e trabalhar”, declarou ela. W. S. Machado, 28 anos, está morando na rua por causa de drogas, recebe pensão por invalidez, mas encaminha todo o dinheiro para esposa e filhos. “Já tentei fazer um tratamento, mas a droga é uma doença e não tenho mais o que fazer”, declarou Machado. Para ele essas ações são abusivas e subumanas. “Mesmo usando uma calçada, a gente tem o nosso direito de, no mínimo, um lar”, completou. Segundo Machado, o albergue não é a solução porque tem companheira e lá não tem lugar para os dois. Além disso, a Prefeitura “deveria ter um espaço com possibilidades de trabalho e moradia”, reivindica Machado. Gilberto Alves dos Santos estava nervoso com a situação por causa de sua esposa Luciana Henrique Moraes, que está grávida de oito meses e estava passando mal por causa da situação. Seu barraco foi destruído e ela ficou deitada em cima dos seus pertences. A pedido da reportagem, a GCM solicitou uma ambulância que chegou imediatamente e a levou para o hospital. Para Moraes, o governo só faz mandar o rapa na rua pegar tudo e não se preocupa em atender as verdadeiras necessidades dessas pessoas. “Será que nenhum deles sabe que a gente tem profissão? Não querem entender o que a gente precisa, o que a gente necessita? Nós precisamos de um documento, de moradia e não de albergue”, declarou Moraes. A reivindicação deles é de serem ouvidos e atendidos em suas necessidades. “Até hoje nós necessitamos de uma assistente social que pudesse chegar aqui e entender, ouvir, praticar e resolver os nossos problemas”, concluiu Moraes. As pessoas ficavam por cima dos seus pertences para impedir que a equipe de limpeza as levasse. Após a retirada dessa equipe e GCM, começa todo o trabalho de reconstrução. Não demorou muito e o espaço de cozinhar e de dormir já estava pronto. Começou tudo de novo! “Dentro de um ou dois dias, a Prefeitura vai voltar e fazer toda a limpeza”, lembrou Izilda. Assim, já são mais de três anos que elas estão naquela rua. O pior é que isso acontece em toda a cidade. O lixo é levado e as pessoas são deixadas ao léu, ou melhor, ao céu, ao Deus-Dará! Edição N° 192 - Novembro de 2010
- Consultório Papa Francisco: atendimento médico humanizado!
A Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo inaugurou no dia 19 de fevereiro o ‘Consultório Papa Francisco’, uma iniciativa que busca oferecer atendimento médico humanizado para pessoas em situação de rua. O ambulatório situa-se dentro de um contêiner instalado na rua Djalma Dutra, 3, Luz, ao lado da Casa de Oração e conta com dois consultórios médicos, uma sala de espera, outra de curativo e espaço refrigerado para armazenamento de vacinas. Os atendimentos serão realizados por equipes do Consultório de Rua do Sistema Único de Saúde (SUS), vinculadas à Unidades Básicas de Saúde (UBS) e voluntários da área da Saúde; de segunda a sexta-feira das 9 às 13 horas. Durante a inauguração, o cardeal de S. Paulo, Dom Odilo Scherer destacou que a união da sociedade civil, do poder público e da iniciativa privada é um caminho para assegurar assistência e cuidado aos mais vulneráveis. O Cardeal recordou que Papa Francisco tem recomendado “proximidade e convivência”. “Aqui será um lugar em que eles serão bem-vindos e acolhidos com todo o carinho”, disse ele, antes de abençoar o local. O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua e idealizador do projeto, ressaltou que “o atendimento médico gratuito simboliza mais do que um serviço de saúde. É um ato de solidariedade e dignidade para aqueles que mais precisam”. Ana Maria da Silva Alexandre, coordenadora da Casa de Oração e agenteda Pastoral do Povo da Rua, há muitos anos dedicada às causas do povo da rua, afirmou: “O nosso povo nem sempre é bem-vindo nas unidades de saúde. Aqui haverá um atendimento diferenciado, com mais qualidade, para quem está em situação de rua, um atendimento com mais carinho”, reforçou Ana Maria. O Consultório é fruto da colaboração de diversos doadores da Pastoral do Povo de Rua e fiéis da Paróquia São Miguel Arcanjo, da Mooca, com o apoio da Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia e do Consultório de Rua do Bom Retiro. Edição N° 300 - Janeiro / Fevereiro de 2025
- Nossos baús Secretos
Projeto de preservação do jornal O Trecheiro e democratização do acesso a esses materiais A délia Prado, escritora e poetisa, disse, certa vez, que a memória é contrária ao tempo. A autora mineira faz questão de expressar que a insubmissão da memória é o que a faz mais preciosa e eterna, a seu modo, dentro da finitude dos nossos dias. A memória, portanto, trata das eternidades que criamos dentro de nós mesmos, nossos baús secretos. Nesse sentido, na ocasião da tricentésima edição do nosso querido Trecheiro, não poderíamos deixar de abrir os baús há tempos guardados, com o intuito de evocar parte da história e relevância do nosso jornal. Frente à lógica social brasileira, que por vezes é especialmente opressiva, esta folha se manteve insubordinada. Como se sabe, não se pode falar do Trecheiro sem mencionar a Rede Rua, que teve sua trajetória marcada pela criação do jornal. O Trecheiro foi lançado em agosto de 1991, ainda de forma simples, em uma folha tamanho ofício e com apenas duas páginas. Desde seu início, esta folha trouxe notícias e fotos focadas nas experiências e nos desafios enfrentados pela população de rua na região central de São Paulo, proporcionando a essas pessoas uma plataforma para relatar sua realidade e compartilhar suas vozes. Com o tempo, o jornal foi ganhando novas formas e conteúdos. Hoje, ele não apenas registra acontecimentos, mas também é um símbolo de resistência e de identidade para seus colaboradores. Em cada edição, são discutidos temas atuais, compartilhadas experiências e reafirmada a luta por direitos. É a partir da observação da relevância para a memória da luta pelos direitos da população em situação de rua e em vulnerabilidade social que a Rede Rua, em parceria com a Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama e o Estado de São Paulo, tem promovido a digitalização dos exemplares de registros históricos, como o jornal “O Trecheiro”, por meio do projeto “Memórias de Rua: população em situação de rua em São Paulo”. O projeto se dedica à preservação e democratização do acesso a esses materiais, incluindo documentos, folhetos e gravações, registrando a complexa rede de solidariedade e as conquistas históricas da população em situação de rua. Ao cabo da identificação, catalogação e digitalização de acervos físicos, o próximo passo no itinerário é a criação de uma página virtual indexando os materiais, para que sociedade como um todo possa compreender as dinâmicas e os desafios dessa população. Preservar essas memórias coletivas é garantir que vozes, antes inaudíveis, sejam ouvidas e que ressoem, com força. Preservar essas memórias é fazer com que sejam eternas as conquistas e histórias de todos que um dia sonharam, lutaram e viveram, para que jamais sejam esquecidos. * Equipe Clínica Luiz Gama * Contato: saturnino8pereira@gmail.com Edição N° 300 - Janeiro / Fevereiro de 2025
- Santas imagens de Santo$
Carlos Ferreira de Lima, 51 anos, nasceu em Recife, Pernambuco. Fui pintor e metalúrgico, onde tive os dedos amputados e hoje estou afastado. Ainda não fui aposentado, mas hoje, como não tenho condições de trabalho estou como ambulante e não estou conseguindo trabalhar. E daí? Não é querendo uma desculpa, mas quero citar algo de curiosidade: sou ambulante sim, como milhares. E daí? Sou cidadão documentado e daí? Pago água e luz. E daí? Sabemos que é nossa obrigação, do contrário, teremos a água e a luz desligadas ou cortadas. Então, que lei é essa: se não trabalharmos de que maneira pagar a água, luz, aluguel, pensão? Morar nas ruas? E daí? O que fazer? Se a lei ampara a lei e nós que precisamos da lei? E daí?” Carlos morou em albergue por dois meses, mas não aguentou muito tempo. “Ali não é um amparo. Sou evangélico, graças a Deus e fui para o albergue porque Deus me enviou para tirar de lá duas pessoas que estavam envolvidas no mundo das drogas. Assim que saí de lá, eles já não usavam mais drogas. Depois de cumprir minha missão já não estava mais aguentando aquela situação que tinha normas e, mesmo assim, eles deixavam passar as normas. Drogas! Ali entra drogas”! Para sobreviver, Carlos vende imagens de santos, mesmo sendo evangélico, pois entende que precisa viver. “Até estou me preparando para falar com meu pastor. Já fui repreendido por alguns irmãos, mas eu creio que Deus me entende”. Conheceu esse trabalho de venda de imagens com uma pessoa que morava no albergue Arsenal da Esperança no Brás. “Eu estava trabalhando de ajudante de uma banca de lanche na Liberdade. Enfrentando bandidos, sendo ameaçado e outras coisas. Não tinha onde dormir e minha roupa era guardada num cantinho da banca. Dormia no Metrô, indo pra lá e pra cá”. Saiu da banca de lanche e foi catar latinha, onde ouviu falar do albergue. “Lá no albergue tudo era de graça, mas o de graça saiu caro. Eles diziam: se quiser é assim, se você não, a porta está aberta. Claro que as normas devem ser seguidas. Teve queixa minha? Teve! Porque eu reclamava de erros dos monitores que eu via lá dentro. Eu só fui para o albergue porque insistiram para eu ir”. Carlos teve vários problemas com o albergue. Um deles foi relacionado ao horário, pois, segundo ele, o albergue implicava com suas saídas para o culto. Com isso, achou melhor sair dali, vender suas imagens, juntar com o pouco que recebia do INSS e morar numa pensão. “Recebo R$102,00 do INSS e pago R$ 250,00 de uma vaga de pensão. Além disso, tenho que comer e comprar roupas”. Para completar, Carlos sofreu a mesma violência que já é comum na vida dos ambulantes no centro de São Paulo. “A Prefeitura me tomou quase R$ 200,00 de imagens, ainda me machucaram ao me segurarem por trás como se eu fosse bandido. Tá certo, meus santos não têm nota fiscal, mas será que não tenho o direito de sobreviver? E daí? Que lei é essa? Será que Carlos não tem o direito de sobreviver após tantas tentativas de trabalho sem ter que morar num albergue? E daí? Edição N° 191 - Setembro / Outubro de 2010
- Muro do inferno
“A gente não tem onde ficar” No final de novembro, moradores dos baixos do viaduto do Glicério, região central, foram surpreendidos com o início de obras para fechar parte do viaduto. Neste local, funciona o projeto Minha Rua Minha Casa e na outra parte moram, aproximadamente, 30 pessoas que estão em situação de rua, local onde se vê a construção de um muro de alvenaria. Segundo funcionários da Codal Engenharia, responsável pela obra, apenas foi dito para levantarem o muro, deixarem sete metros aberto no meio e construírem dois banheiros. A coordenadora do projeto Minha Rua Minha Casa, Rosana Baesso, não sabia o que estavam fazendo naquele espaço. Segundo ela, o projeto chegou a solicitar esse espaço para quadras e projeto esportivo, mas não obteve resposta da Subprefeitura Sé. Enquanto os operários trabalham na construção do muro, Joaquim Ferreira de Andrade Neto, há um ano e seis meses na rua por não conseguir pagar o aluguel, planeja seu futuro. “Esse muro até ficou melhor para nós, pois impede d´água cair na gente e no futuro eles podem fazer uns cômodos para cada um de nós. Se nos retirar daqui só nos resta chorar”! Para Evandro Farias de Oliveira, morador do viaduto há 20 anos, não é a primeira vez que isto acontece. “Já tiraram a gente daqui e colocaram uma base. Fomos para o outro lado da rua e depois que eles se foram nós voltamos”. Rogério Guimarães, catador e amigo dos moradores se diz indignado. “Isto é uma falta de respeito com os moradores de rua porque estão impedindo as pessoas de morar até na rua. O pior é que não dão nenhuma satisfação para onde essas pessoas vão”, desabafa Guimarães. Segundo Carlinda Quirino dos Santos, moradora do viaduto há dois anos, também reclama do tratamento da Prefeitura. “Eles precisam arrumar moradia e não varrer a gente fora como animal”, declarou Carlinda. Mayra Sílvia, jovem de 21 anos, moradora do viaduto há um ano, não se conforma com o tratamento recebido pelos funcionários da Prefeitura de São Paulo. “A proposta da Prefeitura é construir o mundo e nos colocar para fora. Eles não têm respeito com a gente. Eles vêm aqui, olha para a gente e pensam que a gente somos cachorros que ficam jogados debaixo desse viaduto”, declarou Sílvia. Segundo eles, continua Sílvia, “a gente não tem direito de nada debaixo do viaduto porque é da Prefeitura. Sim, é da Prefeitura, mas a gente não tem onde morar, a gente vai para onde”? “Eles precisam arrumar moradia e não varrer a gente fora como animal”, declarou Carlinda. A questão colocada por todos que moram naquele espaço é para onde vão. “Esse muro está fazendo um inferno em nossa vida. A gente não tem para onde ir. Nós vamos para rua para eles irem lá e fechar de novo para a gente ir embora para outro lugar. A gente não tem onde ficar,” finaliza Sílvia já com lágrimas nos olhos. Já Viviane Alves da Silva nem consegue falar muito, pois não sabe o que vai fazer. “A família que eu tenho é essa aqui”, declara Alves. A situação das pessoas que ali moram não pode ser considerada digna, mas é o espaço que eles têm. O que mais revolta, segundo Sílvia, é a falta de diálogo. “Eles poderiam vir conversar com a gente e nos ajudar a voltar para a família”. Para ela, só porque eles não têm dinheiro, não têm casa, o pessoal da Prefeitura acha que não são ninguém. “Não é verdade. Somos seres humanos como eles”, conclui Sílvia. Segundo a assessoria de comunicação da Subprefeitura Sé, aquele espaço foi repassado para a Polícia Militar fazer uma base. Perguntada sobre a situação das pessoas que ali se encontram, a resposta foi categórica: não é com eles. Segundo a Smads, “os agentes sociais atuam esporadicamente na região do viaduto do Glicério, mas em função do caso relatado vai realizar abordagem ao grupo, bem como produzir um diagnóstico que vai determinar para quais serviços socioassistenciais da pasta eles podem ser encaminhados. Salientamos que por questões legais, os agentes sociais da secretaria não podem obrigar essas pessoas a aceitar os serviços oferecidos pela Prefeitura”. Edição Nº 185 - Janeiro de 2010











